Título: Cientistas políticos lamentam decisão do STF
Autor: Medeiros, Lydia
Fonte: O Globo, 08/12/2006, O País, p. 4

É um absurdo e ruim para a democracia. Reflete a precariedade institucional em que vivemos, diz Lúcia Hipólito

A decisão do Supremo Tribunal Federal de enterrar a cláusula de barreira e seus efeitos para funcionamento dos partidos políticos surpreendeu ¿ e decepcionou ¿ cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO.

¿ A decisão é um absurdo. Reflete a precariedade institucional em que vivemos ¿ disse a cientista política Lúcia Hipólito. ¿ Decisão do Supremo deve ser cumprida, claro, mas pode, sim, ser discutida. Foi uma decisão ruim para a democracia.

Lúcia aponta outro exemplo dessa fragilidade institucional: a regra da verticalização das alianças partidárias, também derrubada no Supremo, depois de vigorar em duas eleições. Lembra ainda da disposição crescente do Congresso de acabar com a reeleição:

¿ Que crédito pode ter uma reforma política se não respeitamos três ou quatro itens? No caso da cláusula de barreira, os partidos tiveram 11 anos para se organizar. E agora, a conversa zerou ¿ lamentou.

Para a cientista política, com o excessivo número de partidos representados no Parlamento, continuam presentes no sistema político os ingredientes que geraram escândalos como o mensalão.

¿ Nenhuma das armadilhas foi desmontada ¿ disse ela.

A decisão do tribunal, avaliou o professor Luiz Werneck Vianna, do Iuperj, mostra a incapacidade do país de manter normas políticas:

¿ Nossa vida partidária está sem eixo. Não se consegue manter uma política ordenada, e fico pensando se um dia vamos conseguir.

Werneck ressalta que, com a decisão, ficaram evidentes a força política do Poder Judiciário e a incapacidade do Poder Legislativo de se afirmar na sociedade:

¿ O Judiciário firmou seu protagonismo na cena política brasileira com essa decisão. Do outro lado, temos o Executivo muito forte e o Legislativo, que é o poder soberano, não consegue reagir, assolado por escândalos.

Alcance da reforma politica ficou limitado, diz especialista

Para o especialista, é uma tragédia para a vida democrática o fato de o Congresso não conseguir fazer valer sua vontade, o que, acredita, mostra que a sociedade está desvinculada da representação parlamentar.

¿ Hoje, os parlamentares representam a si mesmos. A reforma política poderia reforçar esse vínculo, mas seu alcance ficou limitado ¿ diz.

Ele lembra que o STF decidiu entregar ao Tribunal Superior Eleitoral a tarefa de dividir os recursos do fundo partidário, ampliando o poder da Justiça:

¿ Isso reforça a jurisdição do Judiciário sobre o sistema político nacional ¿ disse.

Um dos reflexos mais imediatos da decisão do tribunal é o de tornar viável a candidatura do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) à reeleição na presidência da Câmara. O PCdoB não cumpriu as exigências da lei, derrubadas pelo STF.

¿ Um partido minoritário presidindo a Câmara é, por si só, um fato de chamar atenção ¿ criticou Werneck.

¿ É uma situação esdrúxula. O PCdoB não tem sequer 5% dos votos do país. Mas Aldo Rebelo se viabiliza de novo como candidato à reeleição ¿ concordou Lúcia Hipólito

Na opinião do cientista político Emil Sobottka, da PUC do Rio Grande do Sul , é ruim para a democracia quando, num momento em que o presidente da República precisa formar maioria no Congresso, tem de negociar com um número de agentes muito grande. Com a decisão do Supremo, os partidos , mesmo os pequenos, mantêm poder de barganha.

¿ Em outros países, as exigências são mais fortes, e se o partido não alcança o percentual definido de votos, o parlamentar não chega a tomar posse. No Brasil, só se tratou de alguns privilégios organizacionais, que dariam aos partidos infra-estrutura e poder de barganha e influência política ¿ disse. ¿ Talvez, as cabeças lúcidas do Congresso tomem agora a questão da disciplina partidária como motivação. Talvez esse seja mais um desejo que uma análise ¿ disse.