Título: Sua cidade pode ser mais barata e eficiente
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Fonte: O Globo, 08/12/2006, Opinião, p. 7

OBrasil tem cerca de 5.600 municípios e, talvez, 50 mil cidades. Explico: temos 17 metrópoles, que são aglomerados humanos com mais de um milhão de habitantes, segundo critério do Banco Mundial. Formadas por cidades unidas territorialmente, ou conurbadas, ocupando um ou vários municípios, as metrópoles têm bairros ou grupos de bairros que são verdadeiras cidades, distintas, ainda que interligadas, com muitas diferenças entre si nos padrões urbanísticos, características socioeconômicas, traços culturais e indicadores de qualidade de vida.

Os municípios que estão fora das regiões metropolitanas, em sua maioria, também são formados por mais de uma cidade. A sede, os distritos, as vilas ou os povoados, às vezes separados por grandes distâncias, são, para todos os efeitos, um aglomerado humano cada um, uma cidade com identidade e características próprias.

O município é o formato único do poder local na estrutura do Estado brasileiro. São Paulo e Brejetuba (ES) são entes da Federação com as mesmas responsabilidades constitucionais. Não temos um poder local leve, barato, gerido por cidadãos governantes, como as freguesias em Portugal e as mairies francesas, nem tampouco um governo regional multicidades, como o condado norte-americano ou a província italiana. Na França são 36 mil governos locais; na Itália, 8.700 communes mais 600 governos multicidades provinciais. Em todos os EUA, são quase 60 mil governos locais. Só no Texas são 16 mil, entre prefeituras e condados.

A maioria das prefeituras nas metrópoles brasileiras adotou um modelo de descentralização criando administrações regionais ou subprefeituras, para tentar dar conta do déficit de poder local que o modelo institucional vigente provoca. Os bairros e as comunidades se organizam em associações pela mesma razão, e contribuem para vascularizar o tecido social para permitir a passagem, por vezes informal, das ações do Estado.

O formato institucional do poder local no Brasil já dava mostras de obsolescência no início dos anos 70, quando as regiões metropolitanas viraram lei federal. Com a Constituição de 1988 o município ganhou status de ente da Federação e mais participação no bolo tributário. Criaram-se mais de dois mil novos municípios numa lógica em que prevalecia a disputa pelo controle político de votos, verbas e empregos públicos, longe da idéia de que o poder local existe para organizar e liderar o desenvolvimento daquele pedacinho de Brasil a partir das energias locais, e não para ficar com um pedaço maior de um bolo que estaria sendo assado em algum outro lugar. Mais que nunca os municípios passam a ser vistos como centro de custos, parte do problema de um Estado doente, não parte da solução, célula de desenvolvimento e centro de lucro.

As tentativas de formar consórcios municipais, mesmo após a nova lei no governo atual, não mudaram quase nada a realidade de inadequação do modelo federativo brasileiro. As metrópoles clamam por uma instância de planejamento e governo multimunicipal, distritos de municípios do interior, e bairros de regiões metropolitanas reclamam a falta de governo: já se descobriu que criar novos municípios é muito caro para pouco retorno em progresso, com poucas e honrosas exceções.

Além da inadequação político-institucional, salta aos olhos a pouca funcionalidade da divisão por município para efeito dos serviços públicos essenciais. O melhor exemplo é a disputa na Justiça pela titularidade do serviço de saneamento, nas áreas metropolitanas, entre as companhias estatais estaduais e as prefeituras de capital. É por demais evidente que os serviços de segurança e Justiça, saúde, ensino médio, destinação final do lixo, transporte coletivo, saneamento, entre outros, devem ser planejados e executados tendo o território das microrregiões (critério IBGE) como base, não os municípios. Isso vale para as regiões metropolitanas e para o interior.

Na questão tributária, o modelo federativo também mostra grandes disfunções. Cito o problema mais freqüente nas rodas de prefeitos, a fórmula de rateio do ICMS entre os municípios. Cabe aos municípios 25% do total arrecadado pelos estados e a divisão se dá por um critério estabelecido na legislação federal. O índice de rateio é composto por uma parcela principal (75%), correspondente à contribuição do município na arrecadação, e por outra menor (25%), calculada por leis estaduais que normalmente privilegiam os mais pobres.

Esse sistema provoca grandes distorções. Um município que tem petróleo, abriga uma hidroelétrica ou uma grande fábrica, acaba ficando com uma parte muito maior que os demais. Os municípios populosos nas regiões metropolitanas com pouca atividade econômica, dormitórios da metrópole, são os mais prejudicados. Belford Roxo e São Gonçalo, no Grande Rio, e Cariacica, na Grande Vitória, são exemplos.

Nunca chegaremos a um acordo sobre a mudança do índice de rateio, basicamente porque está errado ratear por município o principal imposto sobre a atividade econômica, que influencia a formação de adensamentos humanos em mais de um município. Mais uma vez nos salvam as microrregiões.

Se, em vez de ser rateado pelos municípios, o ICMS das cidades fosse dividido pelas microrregiões do IBGE e vinculado a um programa de investimento regional, conduzido por uma instância multimunicipal de governo, grande parte do desequilíbrio tributário seria resolvida. De quebra, obrigaria os municípios a cooperarem na execução de políticas e serviços essenciais que precisam de escala multimunicipal para funcionar com racionalidade e eficiência.

Sem governo, as cidades tentam caber nos municípios que, por sua vez, ficam nas mãos dos convênios e das emendas parlamentares.

LUIZ PAULO VELLOZO LUCAS foi prefeito de Vitória, é deputado federal eleito (PSDB-ES) e coordenador do Projeto Qualicidades.