Título: Doméstica condenada por tentar furtar manteiga
Autor: Bergamin Jr. Giba
Fonte: O Globo, 08/12/2006, O País, p. 11

Angélica, de 19 anos, alegou desespero, porque filho passava fome, mas foi sentenciada a quatro anos de prisão

SÃO PAULO. A Justiça condenou a doméstica Angélica Aparecida Teodoro, de 19 anos, a quatro anos de prisão, em regime semi-aberto, por ter tentado furtar um pote de manteiga de um mercado. Ela se defendeu dizendo que o ato foi de desespero, pois não agüentava ver o filho de 2 anos passar fome. O crime ocorreu em 16 de novembro do ano passado. Angélica foi surpreendida pelo dono do mercado, Dadiel de Araújo, um ex-PM, com o pote de 200 gramas de manteiga escondido no boné. O proprietário diz que Angélica o teria ameaçado de morte quando foi flagrada.

A polícia foi chamada e a doméstica, desempregada, passou 128 dias no Cadeião de Pinheiros. Seu advogado, Nilton José de Paula, pediu liberdade provisória para Angélica quatro vezes, sempre negadas. Ele recorreu ao STJ, alegando que ela não tinha antecedentes. Quatro meses depois, ela foi libertada.

Presidente da OAB diz que condenação é um excesso

Agora, Angélica foi condenada no regime semi-aberto, em que a presa sai da cadeia durante o dia para trabalhar. Por conta da suposta ameaça ao ex-PM, a 23ª Vara Criminal a condenou por roubo, crime mais grave que o furto. O advogado dela vai recorrer. Além dos 128 dias junto com assaltantes e traficantes, ela perdeu o vínculo com o bebê e viu a mãe morrer pelo desgosto de vê-la presa.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, Luiz Flávio Borges D¿Urso, disse que a condenação é um excesso. Para D¿Urso, que é criminalista, o caso poderia ter sido enquadrado no chamado furto famélico (quando o crime é cometido para que a pessoa tenha o que comer):

¿ O delito ocorreu para satisfazer uma necessidade vital, e por um produto de baixo valor. Entendo que foi um erro da Justiça dos homens.

D¿Urso acha que, em instâncias judiciais superiores, a condenação deve ser revertida. Para ele, o juiz poderia ter usado o princípio jurídico da bagatela:

¿ Para solucionar esse crime, a polícia usou viaturas, delegados e escrivões tiveram horas de trabalho, houve gastos de papel e 128 dias de estadia da ré num presídio. Tudo isso custou caro ao estado.

O criminalista afirmou que a conduta da acusada não pode ser aplaudida, mas que a jovem já pagou pelo que fez:

¿ Ela passou pelo constrangimento de ser flagrada e presa por mais de cem dias. Houve uma falha que deve ser revista nas instâncias superiores.

(*) Do Diário de S.Paulo