Título: Anistia indeniza sete de uma mesma família
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 08/12/2006, O País, p. 14

Decisão beneficia ex-guerrilheiros Jessie e Colombo e cinco parentes perseguidos, torturados ou exilados na ditadura

BRASÍLIA. A Comissão de Anistia aprovou ontem uma indenização para os ex-guerrilheiros Jessie Jane e Colombo Vieira de Souza e outros cinco familiares do casal. Eles tiveram reconhecida condição de anistiados políticos. Ao todo, tramitam na comissão processos de 14 integrantes da mesma família que, durante a ditadura, foram perseguidos, presos, torturados e viveram na clandestinidade ou no exílio. Colombo terá direito à indenização de R$100 mil. Jessie vai receber um benefício mensal e mais um valor retroativo que ainda serão calculados.

Eles ficaram conhecidos pela tentativa frustrada de seqüestrar um avião da empresa Cruzeiro do Sul, no Galeão, em julho de 1970. Na fracassada operação, ela simulou estar grávida e carregava armas escondidas no corpo. Colombo levava uma arma no sapato. Dois outros guerrilheiros morreram na ação, após troca de tiros com policiais. O comandante do avião ficou ferido. Os quatro eram militantes a Ação de Libertação Nacional (ALN) e foram condenados a 18 anos de prisão. Passaram nove anos na cadeia.

Vídeo do casal dando banho na filha provoca emoção

A sessão que aprovou a anistia para a família foi marcada pela emoção. Durante a reunião, foi exibido um vídeo, inédito até agora, com imagens do casal com a filha recém-nascida, Leta, na cadeia, em janeiro de 1977. O filme, de seis minutos, foi gravado na Penitenciária Talavera Bruce, no Rio. São imagens de Jessie e Colombo dando banho no bebê. Jessie também aparece amamentando a filha.

A filmagem foi feita por Nelie Sá Pereira, irmã da militante Norma, do MR-8, que também estava presa e aparece no vídeo ao lado do casal. Nelie contou ontem ao GLOBO que, para entrar com a câmera, enganou os policiais, informando que se tratava de uma máquina fotográfica para registrar imagens do bebê.

¿ Era uma câmera minúscula e tinha que filmar escondido ¿ disse Nelie, que fazia curso de cinema na França, na época, e depois trabalhou na Embrafilme.

Nelie levou o filme para a Europa para ser mostrado à avó materna da criança, que também se chamava Leta e estava exilada na Suécia.

¿ A Leta não via a filha Jessie há anos e ficou conhecendo a neta pelo filme. Os brasileiros exilados foram assistir ao vídeo. Todos choravam. Foi muito emocionante ¿ conta Nelie.

Com a abertura política, Leta voltou ao Brasil. Jessie entregou a fita ao Arquivo Nacional, do Rio, no início da década de 80. Recentemente, um amigo do Arquivo entregou à militante cópia da fita, recuperada e em VHS. Jessie foi diretora do Arquivo Público do Estado, em 1999, e atualmente é professora de história e diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.

¿Dedico esta decisão a todas as mulheres brasileiras¿

Jessie e Colombo ficaram presos durante nove anos. Ela é a militante política que ficou mais tempo presa durante a ditadura. Eles ficaram presos também em Ilha Grande. Foram torturados no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).

Para se casarem, em 1972, foi preciso uma autorização judicial. Leta nasceu em 76, numa clínica no Rio, mas sob forte vigilância policial e tortura psicológica. Colombo foi levado para o Presídio Frei Caneca e, com a distensão política no governo Geisel, podia visitar a mulher e filha no Talavera Bruce.

Com base nas imagens do vídeo, a filha do casal, hoje com 30 anos, reivindica também indenização na Comissão de Anistia. O caso dela não foi julgado ontem. O presidente da comissão, Marcelo Lavenère, disse que o processo precisa ser melhor analisado.

Após a aprovação, Jessie chorou muito e desabafou.

¿ Dedico esta decisão a todas as mulheres brasileiras, mães, esposas, noivas e filhos dos que se sacrificaram para o Brasil melhorar ¿ disse.

Colombo, durante a sessão, falou da tentativa do seqüestro do avião.

¿ Foi um blefe, talvez. Não tínhamos intenção de matar ninguém. Teríamos que ir embora do Brasil, para não sermos mortos, mas não sem antes fazer alguma coisa ¿ disse Colombo.

Entre os outros casos aprovados ontem, estão os processos das mães dos dois ex-guerrilheiros: Leta, mãe de Jessie, e Inah Meirelles de Souza, mãe de Colombo, que sofreu tortura psicológica e recebia visitas permanentes de agentes da repressão, que tentavam tirar informações dela sobre militantes políticos. A comissão também aprovou indenização para dois irmãos de Jessie e um cunhado.