Título: Sem técnico para evitar caos
Autor: Alvarez, Regina e Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 08/12/2006, Economia, p. 37

Governo admite que não havia qualquer profissional capacitado no país para resolver pane

Dois dias depois da maior pane no controle do tráfego aéreo brasileiro, o governo reconheceu que não havia no país um técnico capaz de identificar e resolver rapidamente o problema ocorrido no sistema de rádio no Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Brasília (Cindacta 1), que levou ao fechamento dos principais aeroportos do país. Ontem, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, admitiu que a concentração de 80% do tráfego aéreo brasileiro no Cindacta 1 facilita panes e anunciou um plano de descentralização do sistema de controle do tráfego aéreo, inicialmente com o reforço das unidades de São Paulo e Rio para dividir as responsabilidades do controle com Brasília.

¿ Realmente não tínhamos um técnico ou engenheiro para uma intervenção no nível do que ocorreu. Ou seja, uma identificação precisa do que estava ocorrendo ¿ disse o brigadeiro, ao reconhecer que o Comando da Aeronáutica teve que utilizar os serviços de um técnico estrangeiro da fabricante do equipamento, que estava de passagem pelo país.

Segundo o ministro da Defesa, Waldir Pires, relatou a parlamentares da comissão da Câmara que acompanha o caso, o problema só não foi maior porque ¿por sorte¿ havia um técnico francês em Manaus especialista no equipamento danificado.

¿ Fechamos um contrato com o fabricante de manutenção preventiva e corretiva do sistema de comunicação com acompanhamento de engenheiros da FAB. Também haverá mais recursos para a atualização de outros equipamentos de comunicação via satélite e comunicação telefônica ¿ completou Bueno, que na entrevista cometeu um ato falho, dizendo que o equipamento do Cindacta 1 estava bastante desgastado, frase que negou pouco depois.

Equipamentos de SP serão duplicados

Enquanto Defesa e Aeronáutica faziam um diagnóstico preocupante do sistema de tráfego aéreo, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, contemporizava. Ela disse, à Globonews, que o problema no sistema de comunicação de rádio era simples, o que evidencia a falta de pessoal capacitado para manter o sistema.

¿ A avaliação feita até agora é que o problema que ocorreu não é um problema sério. É um problema bastante simples de solução e que vai ser operado no prazo mais rápido possível ¿ afirmou Dilma, que não acredita em falha humana ou sabotagem.

Os deputados da comissão especial da Câmara que se reuniram com Pires também exibiram um documento oficial do Ministério da Defesa, com uma curta análise da situação aérea, em que está escrito expressamente que o governo vai investigar se houve sabotagem na pane do sistema. ¿O Cindacta 1 (centro de controle aéreo de Brasília que sofreu a pane) iniciou uma investigação, com o apoio da Polícia Federal, para apurar as causas do problema. Até mesmo a hipótese de sabotagem será apurada¿, afirma o documento.

As medidas anunciadas ontem pelo comandante da Aeronáutica pretendem , no médio prazo, descentralizar o sistema de tráfego aéreo, de forma que as oito unidades existentes hoje no país ¿ Brasília, São Paulo, Rio, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Manaus e Belém ¿ fiquem habilitadas a atuar como centros de controle de tráfego aéreo, controlando aeronaves em vôos de cruzeiro, acima de 25 mil pés. Hoje, existem apenas quatro Cindactas operando nessas condições, no caso, Brasília, Curitiba, Recife e Manaus.

Bueno anunciou, ainda, que os equipamentos de São Paulo serão duplicados, para que possa substituir o Cindacta 1 em caso de pane.

¿ A idéia, nos moldes da nossa experiência antiga, é restabelecermos os centros menores com controles mais moderados, mas com capacidade de um cobrir o outro no caso de uma falha ¿ disse o comandante.

Hoje, as demais unidades funcionam apenas como centros de aproximação, o que significa que não têm capacidade para atender vôos acima de 25 mil pés. A idéia é que um vôo Porto Alegre-Salvador, por exemplo, não tenha mais que ser obrigatoriamente controlado por Brasília (como é hoje), podendo ficar sob a alçada do Rio. A idéia é que isso comece a funcionar só daqui a seis a oito meses. Pelo menos três ou quatro meses serão necessários para a compra e chegada dos equipamentos.

A Aeronáutica informou que irá comprar equipamentos e providenciar o treinamento de pessoal para atuar no Rio e São Paulo, que deverão começar a funcionar como o centro de Brasília de seis a oito meses, segundo Bueno. O comandante informou ainda que será feita, com a ajuda de engenheiros e técnicos militares, uma varredura nos equipamentos dos demais Cindactas do país.

A curto prazo, no entanto, não há medidas de emergência. A Aeronáutica informou apenas que o Cindacta 1 passará a operar, em dezembro, com sete controladores de vôo a mais. Com isso, o centro que atualmente trabalha com 175, contará com 182.

¿ Tudo isso são medidas visando a segurança dos usuários ¿ disse Bueno , que negou que esteja deixando o cargo .

O presidente Lula convocou para o início da tarde de ontem o ministro da Defesa, Waldir Pires, e o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno, para fechar as medidas que foram anunciadas no fim da tarde pelo brigadeiro. Lula quis saber das medidas. Interlocutores do presidente reiteraram que Lula está insatisfeito com Pires, mas que não pretende afastá-lo imediatamente, deixando as mudanças para a reforma ministerial.

Ontem 43,3% dos vôos do país atrasaram mais de uma hora, segundo a Anac. Dos 1.175 vôos previstos nos 67 aeroportos da Infraero, 509 sofreram atrasos e 42 foram cancelados, até 17h. No Rio, no Aeroporto Antônio Carlos Jobim, dos 102 vôos, 41 atrasaram. Os passageiros chegaram a esperar quatro horas para embarcar.

COLABORARAM Cristiane Jungblut, Erica Ribeiro e Ramona Ordoñez

PIRES: NÃO FUJO DE RESPONSABILIDADES , na página 38