Título: Bom, mas somente para os EUA
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 08/12/2006, O Mundo, p. 44

Para iraquianos, sugestões do relatório enfraquecem o governo

BAGDÁ. As recomendações do Grupo de Estudos Sobre o Iraque, para serem postas em prática, dependem da capacidade do frágil governo iraquiano de promover a reconciliação nacional e garantir a segurança, justamente num momento em que o país é assolado pela guerra sectária e não tem forças de segurança eficientes. Essa é a opinião de analistas e militares iraquianos, que afirmam que as propostas podem enfraquecer ainda mais o governo de Bagdá.

Segundo eles, o relatório não é uma receita apoiada em dados realmente relevantes e tampouco parece levar em conta a complexidade do jogo de forças no Iraque, nem as expectativas e aflições da população. Trata-se, basicamente, de um plano para ajudar as tropas dos Estados Unidos a voltarem para casa e ressuscitar a influência desgastada dos EUA no Oriente Médio.

Os analistas iraquianos também manifestaram o medo de que as recomendações do relatório enfraqueçam o governo a ponto de derrubá-lo.

¿ É um relatório para resolver problemas americanos, e não para resolver problemas do Iraque ¿ disse Ayad al-Sammarai, um político sunita influente.

O relatório foi divulgado num momento de grande turbulência no governo de Bagdá. Vários políticos dos altos escalões sunita e xiita foram assassinados ou seqüestrados nas últimas semanas e ministérios inteiros do governo estão sem poder de ação, totalmente nas mãos de milícias.

Relatório ignora disputas internas e fraturas do governo iraquiano

Há três semanas, cerca de 150 funcionários do Ministério da Educação Superior, controlado por sunitas, foram seqüestrados por homens em uniformes policiais, que, segundo alguns funcionários do governo, pertencem ao Ministério do Interior, controlado por xiitas.

Os diplomatas americanos estão incitando o governo do Iraque a tomar o controle do processo de reconciliação nacional. Mas a desconfiança e as divisões dentro do governo, de unidade frágil, são tão profundas que não é certo que a estratégia, endossada pelo grupo de estudo, tenha algum efeito positivo.

¿ O obstáculo principal e o grande desafio é o governo atual. O relatório americano insiste na reconciliação nacional. Só que ainda não há reconciliação nacional, só na propaganda do governo ¿ disse Wamidh Nadhmi, um analista político de Bagdá.

Durante meses, o governo Bush pressionou o governo de primeiro-ministro, Nouri al--Maliki, a tomar medidas para a reconciliação de grupos em guerra, atacar milícias violentas e combater a corrupção. O Grupo de Estudos Sobre o Iraque recomenda a retirada do suporte de Washington se os iraquianos não conseguirem mostrar avanços.

¿Se o governo iraquiano não fizer o progresso substancial em direção à realização de marcos como a reconciliação nacional, a promoção da segurança e a governabilidade, os Estados Unidos devem reduzir o seu suporte político, militar e econômico ao governo iraquiano¿, diz um trecho do relatório.

Para alguns iraquianos, a afirmação sugeriu que os autores do relatório se recusam a reconhecer as ambições, a diversidade, as rivalidades e fraqueza que infeccionam o governo. Os curdos têm sonhos de criar um Estado independente. Os sunitas estão debilitados e buscam maior poder político. Os xiitas são intransigentes em muitas questões. Há divergências sobre a divisão interna do país, sobre o que fazer com antigos membros do Partido Baath, entre muitas outras questões, aparentemente ignoradas pelos EUA.