Título: Democracia viva
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 09/12/2006, O Globo, p. 3

Apesar dos prognósticos agourentos sobre o curso político da América Latina, apontando risco de recaída autoritária ou ameaça de radicalização populista, a pesquisa anual Latinobarômetro, divulgada ontem, concluiu que a democracia vai bem na região, tendo saído mais forte e sólida das 11 eleições ocorridas nos últimos 14 meses. A pesquisa ouviu 19 mil pessoas em 18 países e constatou o aumento da fé democrática: para 59%, a democracia é preferível a qualquer outro regime, índice que era de apenas 53% em 2005.

No Brasil, o percentual de democratas convictos passou de 37% para 46%.

As previsões catastróficas, diz o relatório, devem-se a percepções equivocadas da elite internacional. Não houve afinal recaída autoritária nem desatino esquerdista ou populista: o que tem movido a região não é a repetição da história passada mas a construção de uma história nova, ainda mal compreendida. Sobre a tal ¿esquerdização¿ da região, o estudo pergunta: ¿Que significa ser de esquerda na América Latina na primeira década do terceiro milênio? Está claro que se pode considerar George W. Bush um presidente de direita, mas pode-se qualificar Tony Blair como um primeiro-ministro de esquerda?... Luiz Inácio Lula da Silva é um presidente de esquerda porque vem da classe operária ou é de direita porque segue as regras neoliberais na macroeconomia? Quantas esquerdas existem na América Latina?¿. Se se fala de esquerda evocando os movimentos revolucionários dos anos 60, diz ainda, não existe esquerdização. Eles não voltarão, nem os golpes militares. Se ser de esquerda é ter discurso social, os partidos de direita da região também estariam se esquerdizando, pois falam também hoje contra a desigualdade e a discriminação. Vimos isso acontecer agora mesmo na Venezuela.

Diz ainda o estudo que a região tem sido chamada de ¿continente perdido¿ por não oferecer grande ameaça nem grandes atrativos aos dirigentes do mundo. Apesar disso, a região tem imensos potenciais, grandes ativos naturais de valor estratégico, como a água e as fontes de energia. Ao mesmo tempo em que se reinventa politicamente, a região tem vivido um momento econômico relativamente bom. O Brasil, pode-se dizer, cresce menos que quase todos, mas mesmo assim os indicadores sociais avançam.

Entre novembro de 2005 e o fim de 2006 aconteceram 11 eleições presidenciais e legislativas. Três presidentes foram reeleitos com mais de 60% dos votos e três voltaram ao poder, com alternância. São sinais de solidez democrática, mas a reeleição, diz o estudo, trouxe problemas à região. As reeleições de Fernando Henrique no Brasil e Sanguinetti no Uruguai são as únicas consideradas positivas para seus países.

A governabilidade continua sendo um problema. Dos 11 presidentes eleitos no período, só quatro fizeram maioria parlamentar a partir das urnas: os de Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela. Nos outros sete, Brasil incluído, os presidentes terão que construir coalizões.

Uma mudança importante captada é a maior disposição para votar em partidos: subiu de 47% para 53%. Os que não levam em conta o partido ao votar caíram de 51% para 47%. Isso é bom. Democracia pressupõe partidos fortes e identificação com eles. A percepção de que as eleições são limpas subiu de 37% em 2005 para 41% em 2006. A participação eleitoral média na região foi de 73%, equivalente à do Brasil. A maior foi no Uruguai, 90%, e a menor no Paraguai, 55%. A pesquisa buscou medir também a ¿eficácia do voto¿: se a participação eleitoral média é de 73%, apenas 57% dizem ter votado ¿para eleger pessoas que defendem suas posições¿. Ou seja, 16% votaram sem muita convicção; 19% acham que não é possível influir no rumo das coisas e 14% acham mais eficaz participar de protestos e movimentos sociais.

Riquíssima, a pesquisa não se esgota aqui. Voltaremos a falar dela. Por ora, mais um dado curioso: o Brasil é o segundo país onde mais se discute política (35% disseram fazer isso com muita freqüência). Mas bem abaixo da ¿caliente¿ Venezuela de Chávez (47%).