Título: Pilotos do Legacy voltam aos EUA
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 09/12/2006, O País, p. 3

Antes, eles foram indiciados pela PF pelo acidente que matou 154 no Boeing da Gol

Após seis horas de interrogatório, no qual não responderam às perguntas dos delegados da Polícia Federal, os pilotos americanos Joseph Lepore e Jan Paladino foram indiciados ontem com base no artigo 261 do Código Penal, que pune quem expõe a perigo embarcação ou aeronave própria ou alheia. Lepore e Paladino pilotavam o Legacy que colidiu, em 29 de setembro, com um Boeing da Gol, causando a morte de 154 pessoas. Impedidos de sair do país desde então, eles tiveram os passaportes devolvidos e embarcaram logo em seguida, à tarde, para os Estados Unidos em outro Legacy igual ao envolvido no acidente.

Em nota, a PF disse ter concluído que os dois, de forma culposa, puseram em risco a segurança do tráfego aéreo. Foram indiciados ¿nos termos do artigo 261, § 3º, combinado com os artigos 263 e 258 do Código Penal, que prevêem o delito de expor a perigo embarcação ou aeronave, na modalidade culposa (sem intenção de matar), agravado pelo resultado morte¿. A pena prevista é a mesma do homicídio culposo, aumentada de um terço. O indiciamento foi sustentado com base em provas do inquérito, que aponta para a falta de cuidados exigidos de pilotos durante um vôo.

¿ Existem nos autos elementos de prova e indícios que apontam que esses pilotos atuaram com negligência e que suas condutas foram a causa do acidente. Entretanto, não podemos afirmar que essas foram as únicas causas ¿ disse o delegado Ramon Almeida da Silva, que ouviu os pilotos. Silva substituiu Renato Sayão, que preside o inquérito e está em férias. Durante o interrogatório, Silva estava acompanhado do delegado Rubens Meleiner.

¿ A investigação continuará e, caso haja evidências de que outras condutas contribuíram para o acidente, outras pessoas poderão ser indiciadas ¿ disse Silva, lembrando que o inquérito será remetido à Justiça Federal de Sinop, em Mato Grosso, dia 13 de dezembro, com pedido de novo prazo para investigações.

Defesa: parecer tem conteúdo político

O advogado dos pilotos, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, criticou a conduta do delegado.

¿ O ato desse delegado foi preconceituoso, discriminatório, e faz parecer que tem conteúdo político, como quem diz: ¿Precisamos encontrar responsáveis para aquele acidente¿. Como se estivesse desculpando todos aqueles que pertencem e representam o governo, que deveria garantir o espaço aéreo brasileiro ¿ disse José Carlos Dias, para quem o indiciamento não tem ¿relevo jurídico maior¿.

Para o advogado, os delegados estariam predispostos a indiciar Lepore e Paladino antes de ouvi-los. Théo Dias, também advogado dos pilotos, contou que propôs ao delegado que não indiciasse seus clientes em troca da colaboração nas investigações, mas não houve acordo.

Desde o acidente, a polícia investiga se os dois estavam familiarizados com o jato e se cumpriram o número de horas necessárias de treinamento. Não ficou esclarecido se o transponder, equipamento que identifica a aproximação de outra aeronave, estava desligado antes do choque e voltou a funcionar dez segundos depois ou se foi desligado pelos pilotos.

Lepore e Paladino chegaram à PF às 8h, acompanhados de dois advogados e quatro assessores do consulado americano. Entraram pela garagem numa van de vidros escuros e evitaram os jornalistas. Na saída, pouco depois das 14h, também não deram entrevista. Seguiram direto para o Aeroporto Internacional de São Paulo, onde ficaram numa sala reservada até o embarque, às 16h15m.

Famílias das vítimas criticam liberação

O depoimento na PF, ontem, foi o quarto prestado pelos pilotos nos últimos dois meses. Depois do acidente, Lepore e Paladino foram ouvidos pela Polícia Civil, em Mato Grosso, prestaram esclarecimentos na Comissão de Investigação de Acidentes da Aeronáutica e, numa outra oportunidade, a autoridades da Aeronáutica.

Famílias das vítimas do acidente criticaram a decisão da Justiça de permitir que os pilotos voltassem para os Estados Unidos sem que as investigações estivessem concluídas.

¿ Estamos indignados. Eles desprezaram o plano de vôo, esqueceram equipamentos e ignoraram procedimentos de segurança. Como alguém acusado de matar 154 pessoas vai para casa como se nada tivesse acontecido? ¿ indagou o presidente da comissão de familiares e amigos das vítimas do vôo 1907, Jorge Cavalcante.

No Rio, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que a volta dos pilotos aos EUA atendeu a uma decisão judicial e nada tem a ver com um acordo entre os EUA e o Brasil. Bastos informou que eles responderão a processo e podem ser chamados a depor de novo no Brasil.

COLABORARAM Fabrício Moreira, do Diário de S. Paulo, e Maiá Menezes

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