Título: Cultura e esporte sem acordo por incentivos fiscais
Autor: Duarte, Alessandra e Peña, Bernardo de la
Fonte: O Globo, 09/12/2006, O País, p. 10

Ministro do Esporte quer aprovação da lei na semana que vem, enquanto Ministério da Cultura pede alterações no texto

RIO e BRASÍLIA. O ministro do Esporte, Orlando Silva Jr., e o secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, não chegaram a um entendimento a respeito da polêmica que a chamada Lei do Esporte está causando. Os dois se encontraram ontem de manhã para discutir o projeto de lei que, nos moldes da Rouanet, cria incentivos fiscais de 4% para o esporte, o mesmo percentual da cultura. O projeto foi aprovado na Câmara e espera votação no Senado. O MinC defende alteração no texto, para que os incentivos ao esporte não prejudiquem a cultura.

O senador Wellington Salgado (PMDB-MG), presidente da comissão de educação da Câmara e relator do projeto, quer colocá-lo em votação nesta semana e sem mudanças. Juca Ferreira disse que a proposta tem três problemas centrais:

¿ O incentivo ao esporte se dá dentro dos 4% da cultura. Defendemos que seja feito um substitutivo e que se criem outros 4% para o esporte ¿ disse Juca, criticando também a previsão feita pelo projeto de lei de que os investimentos em esporte tenham dedução de IR de 100%, enquanto áreas da cultura como música têm 60%. ¿ Tem que haver uma gradação para que não sejam feitos também 100% de dedução nos projetos esportivos. E tem que ficar claro que é um incentivo ao esporte amador.

Após o encontro, Orlando Silva Jr. disse que quer aprovar a lei o mais breve possível, ¿talvez na próxima semana¿.

¿ O Juca me relatou o desconforto do setor. Mas existem no mercado empresas interessadas no esporte e em cultura, que têm públicos diferentes. Creio que não haverá disputa.

O ministro da Cultura, Gilberto Gil, faz coro com Juca Ferreira.

¿ É preciso criar percentuais diferentes, além de só oferecer isenção de 100% para áreas vulneráveis do esporte.

O produtor de cinema Luiz Carlos Barreto criticou o projeto de lei:

¿ Ele vai amarrar o esporte na cultura e os dois vão afundar juntos. Por que eles não mexem nos incentivos dos free shops?

Diretor-executivo da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), Luis Fernando Benedini disse que a aprovação da lei resultará numa ¿catástrofe¿:

¿ A cultura é igualmente importante e mais difícil de vender. O esporte tem um forte apelo popular. A música clássica, em especial, será prejudicada.

O presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Manoel Pires da Costa, classifica o projeto de lei de absurdo:

¿ Querem pegar o mesmo cobertor da cultura, que já é curtíssimo, e puxar para o esporte, que já tem outras formas de investimento ¿ diz Costa, lembrando que a dedução do IR para artes plásticas gira em torno de 70%, diferentemente dos 100% de dedução que o esporte poderá ter.

Para Fernanda Montenegro, ¿é sentar na calçada e chorar¿.

¿ Acabei de receber uma carta falando da situação crítica da Orquestra Filarmônica do Rio; agora, você imagina, se uma empresa tiver que escolher entre salvar a orquestra e salvar um time de futebol, o que vai preferir? A orquestra que vá para onde ela quiser. Sem falar que, do jeito que a lei está, pode ser qualquer esporte: golfe, pingue-pongue, botão... É uma atitude golpista.

A atriz Irene Ravache não vê motivo para a mistura de legislação entre esporte e cultura:

¿ Somos enfermarias diferentes de um mesmo hospital.

O presidente da Associação de Produtores Teatrais do Rio, Eduardo Barata, diz que a aprovação da lei ¿às pressas¿ pode ter a ver com a realização dos Jogos Pan-Americanos em 2007:

¿ Toda lei diz de onde vão sair os recursos, por que esta não? Parece que foi feita correndo, depois que viram que não vão ter o dinheiro para o Pan e inventaram isso agora para consegui-lo. Os atores não usam figurinos com o nome Coca-Cola, e os jogadores estão lá o tempo inteiro com o nome das empresas nas camisas...

O superintendente do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Ronaldo Bianchi, diz que a mudança ¿põe todo mundo no mesmo saco para brigar¿.

¿ O Estado deixa para o mercado a responsabilidade pela escolha.

A assessoria da Eletrobrás diz que a empresa não começou a estudar o assunto. A gerente de patrocínio da Petrobras, Eliane Costa, afirma que a estatal deve usar a nova lei para investir em esporte, mas que sua verba para cultura não será afetada:

¿ A Petrobras investiu R$236 milhões em cultura em 2005 sem chegar aos 4% de renúncia. Tem espaço para todo mundo. Mas uma empresa com menos recursos talvez seja obrigada a optar.

Sergio Sá Leitão, assessor da presidência do BNDES, diz que a lei não afetará a relação do banco com a cultura:

¿ A princípio, não pensamos em investir em esporte. Se isso acontecer, não se dará em prejuízo da cultura.

A presidente do Instituto Cultural Flávio Gutierrez e responsável pelo Museu do Oratório e do Museu de Artes e Ofícios, Angela Gutierrez, diz que o governo não deve subsidiar áreas que podem se sustentar sozinha, como parte dos esportes:

¿ Entre um museu e um time de futebol, o que é que o patrocinador vai preferir?

Enquanto a classe artística criticou a lei, atletas como Jacqueline Silva, medalhista de ouro em Atenas no vôlei de praia, saíram em sua defesa:

¿ O esporte fortalece a educação e a saúde do país.

Presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman reforça o discurso:

¿ Respeitamos o setor da cultura, mas consideramos justo que o esporte também tenha o seu espaço. É uma atividade de formação dos jovens, que contribui para a inclusão social.