Título: Todos são iguais perante o crime
Autor: Marqueiro, Paulo e Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 09/12/2006, Rio, p. 19

Assalto a ministros do STF mostra que polícia não consegue conter violência nas vias expressas

O assalto à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, e ao vice-presidente do órgão, ministro Gilmar Mendes, anteontem à noite, pouco depois de eles terem desembarcado na Base Aérea do Galeão, mostrou que a violência do Rio não dá imunidade nem mesmo a autoridades ou pessoas famosas. O crime aconteceu às 21h45m, no Elevado Mário Henrique Simonsen, que liga a Linha Vermelha ao Viaduto do Gasômetro. Assaltos como esse têm sido freqüentes em vias expressas como as linhas Vermelha e Amarela e as avenidas Brasil e Perimetral.

Vias expressas ainda vulneráveis

Ellen Gracie é a quarta na linha sucessória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois do vice-presidente José Alencar, do presidente da Câmara, Aldo Rebello, e do presidente do Senado, Renan Calheiros. Foi a primeira mulher a chegar ao STF, órgão máximo do Poder Judiciário. Formado por 11 ministros, o STF, que recebe quase cem mil processos por ano, tem sob sua responsabilidade guardar os direitos e deveres previstos na Constituição. Na prática, julga em última instância ações sociais, criminais, políticas e econômicas.

O assalto aos ministros voltou a dar visibilidade aos pontos vulneráveis no caminho entre o Aeroporto Internacional Tom Jobim e a Zona Sul. As equipes do Batalhão de Policiamento de Vias Especiais (BPVE), que geralmente ficam baseadas nas saídas da Perimetral, não atuaram contra os bandidos.

O comandante do BPVE, coronel Ricardo Pacheco, não quis falar sobre o policiamento nas vias expressas. Já o subcomandante do 22º BPM (Maré), major Marcelo Parrini, explicou que houve reforço na sua área, com 40 homens baseados em dez pontos da Linha Vermelha:

¿ Houve reforço principalmente nas saídas para o Morro do Timbau, a Vila dos Pinheiros e o Parque Esperança, no Complexo da Maré. Embora o assalto aos ministros tenha ocorrido perto da Perimetral, que não é a minha área, estamos investigando se os bandidos são daqui.

Apesar da existência de um batalhão específico para policiamento de vias especiais, os assaltos têm sido cada vez mais freqüentes. Em agosto, o empresário da moda Fred D¿Orey teve um Pajero roubado na Linha Vermelha por dois bandidos armados de fuzis.

A polícia costuma argumentar que o número de ocorrências nessas vias é pequeno, se comparado aos de outros crimes. No entanto, à exceção de roubo de carro, muitos casos de violência não são registrados pelas vítimas. A assessoria da governadora Rosinha Garotinho informou que ela não falaria sobre o assunto.

O cientista social Geraldo Tadeu Monteiro, professor da Uerj, sustenta que os crimes de rua cresceram tanto, que hoje não existem mais zonas seguras na cidade.

¿ Os bandidos não poupam nem mesmo as vias de acesso ao Rio. A estratégia da Secretaria de Segurança de priorizar o combate ao narcotráfico tem provocado um efeito perverso. Houve um aumento, por exemplo, dos assaltos a transeuntes e a ônibus. O que existe é uma política de cobertor curto, em que não é dada prioridade ao cidadão.

Para o sociólogo Gláucio Soares, do Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj), o episódio expõe a fragilidade do estado como instituição:

¿ Não é o primeiro, o segundo ou o décimo assalto naquele lugar. E, não obstante, eles continuam a acontecer. O Estado no Brasil faliu e está sendo corroído. Já não dá para dizer que a cidade está sitiada, porque, no caso, as pessoas estariam do lado de dentro e o invasor do lado de fora. Acontece que as pessoas estão sitiadas onde quer que estejam.

Impacto negativo para o turismo

Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, Alfredo Lopes, fatos como esse têm impacto negativo para o Rio, em especial, para a indústria do turismo.

¿ Nosso parque hoteleiro poderia ser dez vezes maior, levando-se em conta a marca que o Rio tem no exterior, mas estamos encolhidos. O que aconteceu com a ministra demonstra o grau de insegurança da nossa cidade. Está faltando gerenciamento. Temos um efetivo da PM insuficiente, mas, mesmo assim, muitos estão fora das ruas fazendo segurança de presídios, de estádios, etc. Esse tipo de assalto, na verdade um arrastão, sempre acontece nesses mesmos pontos ¿ diz Lopes.