Título: De oficial sem expressão a ditador sangrento
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Fonte: O Globo, 11/12/2006, O Mundo, p. 19

Chile registrou 2.095 execuções, 1.102 desaparecimentos e milhares de torturados nos 17 anos de seu governo

Numa entrevista antes de ser preso em Londres, em outubro de 1998, o general recusara o rótulo de ditador. Orgulhoso da condição de senador, disse que seu sucesso era a prova de que tinha sido apenas ¿um candidato a ditador¿.

¿ A História nos ensina que os ditadores nunca acabam bem ¿ afirmou.

No seu caso, não foi bem assim. A pressão do governo chileno e manifestações de seus seguidores ¿ cerca de 25% dos chilenos ainda apoiavam Pinochet ¿ contribuíram para que deixasse a Inglaterra para morrer em seu país.

Durante 17 anos, Pinochet governou o Chile com mão-de-ferro. No período, houve 2.095 execuções e 1.102 desaparecimentos. Outras 1.500 denúncias não puderam ser comprovadas. O juiz Baltasar Garzón, autor do pedido de extradição do general para a Espanha, disse no processo que mais de 50 mil pessoas foram torturadas pelo regime militar chileno.

Perseguição a opositores em regime de terror

Em 11 de setembro de 1973, Pinochet liderou o golpe militar, assumiu o comando do país e jogou uma pá de cal na democracia chilena. Apenas três semanas antes, o general ¿ até então um obscuro oficial ¿ fora nomeado chefe das Forças Armadas pelo presidente socialista Salvador Allende, eleito em 1970. Pinochet substituía Carlos Prats, que renunciara. Fora o próprio Prats que o recomendara a Allende, dizendo que o general era um soldado leal em que se podia confiar para defender a Constituição.

Mas Pinochet fechou o Congresso, amordaçou a imprensa e, tendo à mão direita a Dina, seu organismo de segurança, perseguiu opositores e estabeleceu um regime de terror. Milhares de chilenos morreram, desapareceram, foram presos, asilaram-se em embaixadas e escaparam pelas fronteiras.

Os setores que mais apoiaram a ditadura foram as Forças Armadas e o empresariado, que se beneficiou da política de privatizações do general (quase tudo foi vendido, até hospitais e escolas públicas). O boom econômico virou o principal argumento dos defensores do regime militar.

Em 1980, Pinochet promulgou uma Constituição para garantir para si um futuro tranqüilo. Segundo o texto, os militares seriam anistiados pelos crimes cometidos até 1978 (o que abrangia o período mais violento), ele permaneceria no comando do Exército até março de 1998, nomearia um sucessor e assumiria uma vaga de senador vitalício, criada por ele segundo critérios que lhe cabiam como uma luva: era reservada para os presidentes que desempenharam o cargo por mais de seis anos, de forma contínua.

`Dois mil desaparecidos não representam nada¿

A Constituição também previu um plebiscito em 1988 para que os chilenos escolhessem entre a prorrogação do mandato de Pinochet por mais oito anos e a convocação de eleições democráticas. O general perdeu e, em 1990, subiu ao poder o democrata-cristão Patricio Aylwin. Mas o novo governo democrático nascia de mãos amarradas: o general continuou à frente do Exército, com poder total sobre as Forças Armadas.

Em março de 1997 Pinochet nomeou Ricardo Izurieta para sucedê-lo no comando do Exército. O governo de Eduardo Frei, sucessor de Aylwin, tentou em vão mudar o artigo da Constituição que garantia a Pinochet a cadeira no Senado. Em março de 1998, o general abandonou o cargo de comandante-chefe do Exército. Com lágrimas nos olhos, disse que sua missão estava cumprida:

¿ Obrigado, pátria minha. Fui teu soldado e isso me faz feliz ¿ afirmou.

No dia seguinte, de terno, assumiu o cargo de senador. Católico praticante, Pinochet nunca se arrependeu do regime que impôs ao Chile.

¿ A quem vamos pedir perdão? Aos que tentaram matar-nos? Aos que tentaram liquidar a pátria? ¿ perguntou ele em 1994.

No mesmo ano, afirmou:

¿ De 12 milhões de pessoas, dois mil desaparecidos não representam nada.