Título: Longa lista de crimes que acabaram impunes
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Fonte: O Globo, 11/12/2006, O Mundo, p. 20

Acusações de assassinato, seqüestro e tortura motivaram sucessivas prisões domiciliares e batalhas judiciais

Os anos de chumbo no Chile renderam a Augusto Pinochet acusações em tribunais chilenos e de outros países. Grupos de direitos humanos estimam em mais de três mil os mortos e desaparecidos ao longo dos 17 anos de seu governo, entre 1973 e 1990. A mais recente medida judicial foi tomada no último dia 27 de novembro, dois dias depois de Pinochet completar 91 anos. O juiz Víctor Montiglio ordenou a prisão domiciliar do ex-ditador num novo processo, pelo assassinato de Wagner Salinas e Francisco Lara, guarda-costas do presidente Salvador Allende, em 1973. Os dois teriam sido vítimas da chamada Caravana da Morte, grupo de militares que percorreu o Chile logo após o golpe de 11 de setembro de 1973 executando opositores.

As atrocidades cometidas pela Caravana, que deixou 75 vítimas, foram um dos estopins dos problemas judiciais enfrentados por Pinochet desde 1998. Outro motivo de processos na Justiça foram as atividades da Operação Condor.

Garzón e Guzmán, dois juízes com Pinochet na mira

A história do caso de maior repercussão internacional começou em 6 de outubro de 1998, quando Pinochet foi preso numa clínica londrina a pedido do juiz espanhol Baltasar Garzón. O juiz solicitou a extradição do ex-ditador para a Espanha, a fim de julgá-lo pelo assassinato de cidadãos espanhóis vítimas da Operação Condor. Garzón acusava Pinochet de genocídio, terrorismo de Estado e tortura, entre outros crimes.

Suíça e França também pediram a extradição de Pinochet. Houve acusações contra ele na Bélgica, na Noruega e na Suécia. O caso foi considerado um marco no direito internacional. O general amargou 503 dias em prisão domiciliar em Londres, mas foi libertado em março de 2000 depois de exames indicarem que sua saúde era delicada. A palavra final no caso foi dada pelo então ministro do Interior da Grã-Bretanha, Jack Straw.

De volta à capital chilena, porém, o ex-ditador enfrentou novas batalhas judiciais. Durante sua permanência em Londres, o governo do Chile insistira em afirmar que a Justiça do país tinha condições de julgá-lo. Choveram pedidos de processo contra Pinochet. Desde 1998, o juiz chileno Juan Guzmán estava encarregado pela Corte de Apelações de Santiago de reuni-los num único processo.

Em agosto de 2000, opositores do general obtiveram uma vitória importante: a Suprema Corte chilena suspendeu a imunidade a que Pinochet tinha direito como senador vitalício. A medida foi tomada para que fosse investigada a acusação de que ele era autor intelectual de 57 assassinatos e de 18 seqüestros de opositores, atribuídos à Caravana da Morte. A essa altura, a Justiça chilena também mudara a acusação de assassinato para encobrimento de crimes, considerando que Pinochet só tomou conhecimento dos fatos após as mortes.

Em 2005, acusação de enriquecimento ilícito

O fim da imunidade para esse caso, porém, abria precedentes para que ele fosse processado por outros crimes. Guzmán já reunira mais de 300 pedidos de processo contra Pinochet, muitos deles passados a outros juízes. Mas nem em todos os processos a Justiça conseguiu derrubar a imunidade do general e senador.

O empenho de Guzmán esbarrou sempre na defesa do general, que entrou com recursos diante de cada decisão por ele tomada. Em dezembro de 2000 e em fevereiro de 2001, o juiz determinou a prisão domiciliar de Pinochet, que nos dois casos acabou sendo favorecido por recursos. Depois, a defesa alegou que o ex-ditador não tinha condições de saúde para enfrentar um julgamento. Em julho de 2001, numa decisão definitiva, o Tribunal de Recursos de Santiago suspendeu o processo em que o general era responsabilizado por 57 assassinatos e 18 seqüestros.

Perto de seu aniversário de 90 anos, em novembro de 2005, Pinochet sofreu outro revés na Justiça. Ele foi posto novamente sob prisão domiciliar, acusado de enriquecimento ilícito: foram descobertas contas secretas que mantinha no Riggs Bank e em outros bancos nos Estados Unidos, com um total estimado em US$17 milhões. Marco Antonio Pinochet reconheceu que a fortuna secreta do pai no exterior oscilava entre US$8,5 milhões e US$11 milhões.

Em outubro passado, o ex-ditador voltou a ser acusado por crimes de seqüestro e tortura, dessa vez ocorridos na Vila Grimaldi, um centro de detenção de opositores que funcionou durante o regime militar. Na acusação do juiz Alejandro Solís, Pinochet foi responsabilizado por 36 seqüestros, um homicídio e 23 casos de tortura.

Um outro caso em que o ex-ditador estava envolvido é o do assassinato do general Carlos Prats, ex-chefe do Exército chileno, e sua mulher, Sofía Cuthbert, em 1974, em Buenos Aires. Um atentado a bomba matou o casal na capital argentina.