Título: Violência sexual, uma ameaça sempre à espreita
Autor: Lootty, Juliana
Fonte: O Globo, 11/12/2006, O Mundo, p. 22

GAMBELLA, Etiópia. Mulheres e meninas são o grupo mais vulnerável entre os refugiados. Se deixam suas cidades sozinhas, sem a proteção de tribos e clãs, precisam se associar a alguém para enfrentar os perigos da viagem até o campo mais próximo. Uma vez no exílio, tornam-se alvo fácil da violência tanto ao cumprir as tarefas do dia-a-dia ¿ atacadas no caminho para conseguir água e lenha, por exemplo ¿ como na própria casa, vítimas da frustração, do ócio e do alcoolismo de maridos, pais e irmãos.

A história de Veronica Brhanu, de 19 anos, é um caso clássico do tipo de abuso contra mulher que se perpetua nos conflitos africanos. Sobrevivente de um ataque do Exército do Sudão ao vilarejo de Akobo, em 2004, foi capturada e passou meses nas mãos dos militares, antes de conseguir fugir e alcançar o campo etíope de Fugnido. Dias após a chegada, foi encontrada por funcionários da ONU vagando, nua e em choque, numa estrada próxima.

¿ Naquele dia, quatro mulheres foram assassinadas por oito suruwas (rebeldes ou bandidos que agem às margens de estradas do oeste da Etiópia) enquanto recolhiam madeira. Uma tinha apenas 9 anos. Veronica foi a única que restou ¿ conta a assistente social Smeraf Eghiaber, com lágrimas nos olhos.

Veronica, entretanto, não chora. Diz que teve sorte de sobreviver. Se emociona apenas ao lembrar das amigas violentadas e executadas pelos suruwas.

¿ Depois daquele dia, não tenho medo de mais nada ¿ diz ela.

Não há nos campos de Bonga, Fugnido e Dimma registros oficiais da violência contra a mulher. Mas funcionários do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), estimam que sejam centenas de casos. A maioria das vítimas não informa as autoridades entre outros motivos porque a violência sexual é estigmatizada na cultura sudanesa. As que revelam seus dramas não raro são consideradas culpadas pelos ataques e podem terminar punidas pela comunidade, impedidas de casar ou de permanecer casadas.

O silêncio não só protege a identidade dos criminosos como pode acabar retardando a descoberta de falhas gravíssimas na administração de situações de pós-conflito. Em 2005 a ONU se viu envolvida num escândalo na República Democrática do Congo, onde foi descoberta uma rede de soldados das forças de paz que abusavam de meninas de até 13 anos, exigindo sexo em troca de alimentos ou dinheiro. (J.I)