Título: Uma morte que não foi lamentada por governos
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Fonte: O Globo, 12/12/2006, O Mundo, p. 27
Annan se solidariza com parentes de vítimas do regime militar e EUA elogiam atuais instituições democráticas
SANTIAGO. A morte do homem que por 17 anos controlou com mão-de-ferro o Chile ¿ considerado durante algum tempo um exemplo de reformas econômicas pelo governo dos Estados Unidos a despeito de ser um dos principais organizadores da Operação Condor, que fez com que diversos governos sul-americanos coordenassem esforços para caçar dissidentes políticos ¿ não foi lamentada oficialmente por qualquer Estado. Um retrato da mudança dos tempos ou apenas uma conclusão lógica das bem documentadas acusações que mancharam sua carreira como ditador com sangue e dólares desviados, Pinochet encontrou solidariedade apenas em seu círculo íntimo.
O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, ignorou a morte do ex-ditador e referiu-se apenas às suas vítimas.
¿ Expresso minha solidariedade às vítimas e aos parentes de milhares de pessoas, cujos direitos foram violados durante o governo de Augusto Pinochet ¿ disse Annan, que também elogiou a luta por justiça dos chilenos. ¿ Graças à sua perseverança eles constituem um exemplo para o movimento internacional dos direitos humanos.
O governo americano, que no período em que Henry Kissinger ocupava a secretaria de Estado apoiou o golpe militar e o governo ditatorial, também não usou palavras elogiosas para se referir ao general morto. Ontem, o Departamento de Estado afirmou que cabe ao povo chileno ¿decidir que legado¿ Pinochet deixará para o país.
¿ Quando ele deixou o governo, o povo chileno foi capaz de começar a se ajustar em relação ao período no qual ele governou ¿ disse o porta-voz da chancelaria americana, Sean McCormack. ¿ A partir deste momento, os chilenos construíram um Estado bem-sucedido, com liberdade de expressão e instituições democráticas.
O governo do Reino Unido não se referiu diretamente à morte de Pinochet, mas divulgou um comunicado no qual saudou o avanço da democracia no Chile desde o fim do regime militar, em 1990.
Ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher é exceção
Alguns analistas consideraram a nota de ontem do Ministério das Relações Exteriores britânico, do governo trabalhista de Tony Blair, uma resposta às declarações feitas no domingo pela ex-premier Margaret Thatcher. A política conservadora, que era amiga do ex-ditador, disse estar ¿muito entristecida¿ com a morte de Pinochet.
O premier da França, Dominique de Villepin, afirmou que ¿o que se pode lamentar é que não haja um julgamento que permita a todos os que sofreram o martírio sob Pinochet possam ser velados também¿, numa referência aos prisioneiros desaparecidos.
Já o chanceler italiano, Massimo D´Alema, preferiu não comentar a morte do ex-ditador:
¿ O que nos faz sermos diferentes de Pinochet é que respeitamos a vida de todos, inclusive a dele.
O único chefe de governo a ter palavras mais amenas foi o presidente da Guatemala, Óscar Berger:
¿ Lamento a morte do senhor Pinochet. Que seja a sua população, os chilenos, que o julguem.
Chilenos comemoraram a morte de Pinochet diante das representações diplomáticas do país em diversos países ontem, como França e Dinamarca. A maior manifestação no exterior ocorreu na Praça Sergel, no centro de Estocolmo, na Suécia. O país foi um dos principais destinos de dissidentes chilenos durante a ditadura.