Título: O embrião da Operação Condor
Autor:
Fonte: O Globo, 12/12/2006, O Mundo, p. 28

Depois do golpe, Brasil foi o primeiro país a reconhecer governo de Pinochet

Adormecem nos porões do Itamaraty, dos comandos militares e da Presidência documentos vitais para se entender a história das relações do Brasil com o Chile do general Augusto Pinochet.

O regime militar brasileiro se associou a quase todas iniciativas relevantes para derrubar o governo civil de Salvador Allende. Em sucessivas rebeliões, os golpistas chilenos receberam do Brasil dinheiro, armas, informações e apoio político. Grupos paramilitares, como o Pátria e Liberdade, foram favorecidos em ações sempre coordenadas com serviços secretos americanos.

Em um momento crítico da preparação do golpe definitivo, dias antes do bombardeio do La Moneda, em 1973, o chefe da Marinha chilena, almirante José Toribio Merino, mandou a Brasília um emissário para conversar com o subdiretor do Serviço Nacional de Informações (SNI), general Sebastião Ramos de Castro.

Dois dias depois, em Santiago, Merino recebeu a mensagem brasileira: o Peru não mobilizaria tropas na fronteira com o Chile. A garantia de imobilização peruana era chave em um cenário com possibilidades de divisão das tropas chilenas, no golpe contra Allende.

No fim da tarde de 11 de setembro, depois do bombardeio ao palácio, o general Pinochet, o almirante José Merino, o brigadeiro Gustavo Leigh e o chefe de polícia César Mendoza se reuniram na Escola Militar para compor a Junta Militar que governaria o Chile. Na platéia estava o embaixador brasileiro Antônio da Câmara Canto. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer o novo governo liderado por Pinochet.

O embaixador brasileiro mostrou-se grande entusiasta do regime. Há indícios e depoimentos sobre como Câmara Canto ampliou sua ação para além da habitual diplomacia. E com respaldo de Brasília. O Estádio Nacional estava repleto de presos políticos quando desembarcou em Santiago uma equipe do SNI comandada pelo general Ramos de Castro.

A lista de desaparecidos nos primeiros 15 meses da ditadura Pinochet inclui cinco jovens brasileiros: Jane Vanini, Luiz Carlos de Almeida, Nelson de Souza Kohl, Túlio Roberto Cardoso Quintiliano e Vânio José de Matos.

Em 1975, Pinochet patrocinou a montagem de uma rede de informações para aniquilar adversários dos governos militares do Cone Sul. O general Manuel Contreras, chefe do serviço secreto chileno, apelidou-a de Operação Condor. Oficiais brasileiros participaram da primeira reunião.

A cooperação brasileira na Condor foi, aparentemente, limitada. Há documentos indicando que o então general-presidente Ernesto Geisel refutou as gestões de Pinochet para uma associação ativa. Mas há, também, registros de casos em que militares brasileiros colaboraram no seqüestro de opositores dos governos do Chile e da Argentina. E eles desapareceram.

Foi assim com o ítalo-argentino Horácio Campiglia. Ele sumiu no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, em 12 de março de 1980. Campiglia, 31 anos, usava documentos com o nome de Jorge Piñero. Acompanhava uma mulher de 27 anos, com passaporte argentino (nº 9.796.421) em nome de Maria Cristina Aguirre de Prinssot. Na vida real tratava-se de Mônica Pinus de Binstock. Militantes da esquerda argentina saíram da Cidade do Panamá na noite anterior, trocaram de avião em Caracas e embarcaram num jato da Varig. No Galeão foram presos e entregues a uma equipe argentina. Desapareceram. Como centenas de outros presos, seus corpos aparentemente foram lançados de avião sobre o Atlântico.