Título: Rumos distintos para processos contra ditador
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Fonte: O Globo, 12/12/2006, O Mundo, p. 28

Ações que Pinochet respondia sozinho serão arquivadas, enquanto as que envolvem familiares ou reparações devem seguir

SANTIAGO. Com a morte do ex-ditador Augusto Pinochet, as dezenas de processos que investigam violações de direitos humanos e crimes de corrupção devem tomar rumos diferentes. No Chile, as ações a que ele respondia sozinho devem ser arquivadas, segundo juristas. Já os processos que também envolvem membros de sua família e outras pessoas devem continuar em andamento.

¿ A morte venceu a justiça ¿ disse o escritor uruguaio Mario Benedetti logo após a declaração do juiz chileno Alejandro Solís, de que os processos em que Pinochet responde sozinho podem ser arquivados logo após seu atestado de óbito ser entregue à Justiça.

Segundo Solís, no entanto, um arquivamento por morte, de acordo com a Justiça chilena, não é a mesma coisa que um arquivamento por inocência.

¿ São formas diferentes de arquivamento. No caso de Pinochet não haverá julgamento, mas todas as provas indicam sua responsabilidade em muitos processos. Ele não será inocentado. Apenas terá seu processo arquivado ¿ explicou, dizendo ainda que o processo de arquivamento deve ser concluído em até 30 dias.

Espanha pode transferir responsabilidades por danos

Em outros países, os processos contra o ex-ditador também devem tomar rumos distintos. O juíz espanhol Baltasar Garzón, que pediu a prisão de Pinochet em Londres, em 1998, por genocídio e terrorismo, lamentou a morte do general antes de sua condenação mas disse que as duas ações no país continuam por envolver outras pessoas:

¿ Pelas leis espanholas, Pinochet não será mais alvo direto de julgamento, mas todas as pessoas envolvidas continuarão sendo processadas.

Mas se algum dos processos resultar em sentenças com reparação de danos, Garzón afirma que a responsabilidade de Pinochet pode ser transferida para os outros envolvidos ou até mesmo para o Estado chileno:

¿ As ações que envolvem indenizações neste caso não podem ser arquivadas. É preciso repassar a responsabilidade, seja para outros envolvidos, ou para o próprio Estado.

Já a França e a Bélgica anunciaram ontem que os processos envolvendo Pinochet serão arquivados.

Enquanto os processos tomam rumos distintos em vários países, todos os pedidos de investigação feitos pelo Chile a outros Estados continuam normalmente. Estados Unidos, que apura o caso do banco Riggs; Hong Kong, que investiga contas secretas de Pinochet no banco HSBC, e Suíça declararam que nada muda com a morte do ex-ditador.

¿ Seria necessário que Santiago retirasse o pedido para que nós bloqueássemos a investigação bancária ¿ disse a porta-voz da Procuradoria da Suíça, Jeanette Balmer.

A filha do presidente Salvador Allende, morto durante o golpe de 1973, disse esperar que as investigações resultem em condenações e reparações.

¿ Espero que o dinheiro não seja herdado pelos filhos. Não conheço nenhum ex-comandante que tenha terminado com US$30 milhões. Espero que isto seja devolvido ao erário chileno para melhorar o financiamento para atos de reparação.

Mesmo lamentando os arquivamentos de vários processos, o advogado chileno Claudio Grosseman, ex-vice-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, disse que as ações contra Pinochet podem ser consideradas um marco do direito internacional e abriram portas para uma justiça sem fronteiras.

¿ Antes, ditadores como Pinochet sempre se escondiam por trás de seus Estados. Depois de algumas iniciativas, principalmente a da Justiça espanhola, outros casos de violações de direitos humanos em todo o mundo viraram alvo de processos, inclusive em terceiros países ¿ disse.