Título: Dez anos após sanção da LDB, país ainda não tem ensino de qualidade
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 10/12/2006, O País, p. 3

Oferta de turno integral nas escolas, prevista na lei, é utopia até hoje

BRASÍLIA. Sancionada há dez anos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) trouxe avanços, mas foi incapaz de garantir um de seus principais objetivos: a oferta de ensino de qualidade. A falta de recursos impediu que propostas inovadoras saíssem do papel.

A LDB determinou, em seu artigo 74, que a União, junto com governos estaduais e municipais, estipulasse o valor mínimo de investimento por aluno de ensino fundamental capaz de garantir educação de qualidade nas escolas públicas. A regra não foi cumprida. Pior: além de não calcular o custo-qualidade, o que permitiria a cobrança pública por mais recursos, o governo federal fixou pisos sempre mais baixos que os previstos na lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef). Com isso, a União repassou menos dinheiro para escolas de 1ª a 8ª série.

- A LDB foi uma lei para inglês ver. Em grande parte, não foi cumprida. E não considerou a idéia de federalização da educação básica, que é o que o Brasil precisa - diz o ex-ministro da Educação e senador Cristovam Buarque (PDT-DF).

- Na hora de falar, todo mundo concorda que é preciso melhorar a qualidade do ensino. Mas, quando é para assumir e bancar os meios dessa qualificação, os passos não são dados - concorda João Monlevade, ex-conselheiro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) e consultor do Senado.

Luta ainda é por cinco horas diárias de aula

A LDB estabeleceu que o ensino fundamental deveria ser progressivamente oferecido em turno integral. O raciocínio é que, nas famílias de classe média, as crianças já têm atividades extraclasse, como aulas de inglês, de música e de esportes. Para a população pobre, porém, a opção é a rua. Sem falar que o turno integral garante merenda em dobro - e a merenda, para muitas crianças, é a única refeição do dia.

A proposta está longe de virar realidade na maioria das escolas do país. Em parte delas, a luta ainda é para aumentar o turno de quatro para cinco horas diárias de aulas. Em novembro, a Comissão de Educação do Senado aprovou projeto tornando obrigatória, no prazo de cinco anos, a oferta de turno integral no ensino fundamental. O projeto teve Cristovam como relator e deveria ter seguido para a Câmara, mas terá de ser votado em plenário por causa de um recurso de última hora, apresentado com apoio do governo Lula. A justificativa é que não há dinheiro para bancar a medida.

Outro dispositivo da lei parece não ter surtido efeito. O artigo 25 estabelece que os sistemas de ensino nos estados devem fixar um número máximo de alunos por professor em sala de aula. Segundo o MEC, em Alagoas a média de alunos por sala, no ensino médio, é de 43,5. No Rio Grande do Sul, é de 29,5.

Muitos professores ainda não têm nível superior

A LDB também determinou que a partir de 2007 todos os professores da educação básica deveriam ter formação de nível superior ou "formação por treinamento em serviço". Em pelo menos oito estados, o percentual de docentes com graduação está abaixo dos 60%.

A presidente da Câmara de Educação Básica do CNE, Clélia Brandão Alvarenga Craveiro, lembra que a LDB sofreu diversas alterações nos últimos dez anos. A mais significativa foi a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos, tornando obrigatória a criação de vagas nas escolas para todas as crianças de 6 anos, até 2010. O CNE montou uma comissão para estudar mudanças e propor uma revisão geral do texto.

Clélia considera importante deixar claro o conceito de sistema nacional de educação, com a fixação de piso salarial para os professores, e diz que a falta de recursos impediu avanços:

- Falta financiamento, falta a profissionalização do magistério, com melhores condições de trabalho e piso nacional. Falta tratar a educação como prioridade. Como fazer isso e ter metas, se não há os recursos necessários? - pergunta Clélia.

Lei incluiu creche e pré-escola no sistema de ensino

Para especialistas, responsabilidades foram estabelecidas

BRASÍLIA. Entre os aspectos positivos da LDB, o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Jorge Abrahão cita a inclusão de creches nos sistemas de ensino, tirando esses estabelecimentos da esfera da assistência social. A LDB ainda incluiu pré-escolas e ensino médio na educação básica. O ex-ministro da Educação e deputado federal eleito Paulo Renato Souza (PSDB-SP) diz que a LDB ajudou a organizar a gestão da educação, definindo que as prefeituras devem oferecer educação infantil e ensino fundamental, enquanto os governos estaduais respondem pelo ensino fundamental e o médio.

Mais importante ainda, segundo Paulo Renato, é a exigência de que as prefeituras destinem 25% de sua arrecadação - percentual que deve ser investido em ensino, segundo a Constituição - para a educação infantil e o ensino fundamental:

- Sofri pressão para mudar esse artigo da LDB, porque há prefeituras que têm gastos com transporte de universitários. A LDB organizou claramente as competências de prefeituras e governos estaduais.