Título: Perdendo a América Latina
Autor: Rogoff, Kenneth
Fonte: O Globo, 10/12/2006, Opinião, p. 7

Quando os Estados Unidos vão despertar para o que está acontecendo na América Latina? A crescente influência do presidente esquerdista da Venezuela, Hugo Chávez, está lançando uma sombra sobre a região. Alguns países - Chile, Colômbia e Costa Rica, por exemplo - continuam comprometidos com regimes democráticos e voltados para o crescimento econômico, mas, no ano passado, aliados de Chávez subiram ao poder em países como Equador e Bolívia e perderam por pouco em alguns outros. No México, Andrés Manuel López Obrador, admirador de Chávez, teria chegado à Presidência, possivelmente perpétua, se tivesse convencido apenas mais um quarto de um por cento dos eleitores a apoiá-lo.

Quando quase todos os outros países do mundo adotam políticas econômicas mais flexíveis, voltadas para o mercado, por que a América Latina desvia-se perigosamente deste rumo? Será porque alguns eleitores não entendem que a região goza hoje da maior estabilidade econômica em décadas? Por que não valorizam a atual inflação de um só dígito, depois de uma média regional de mais de 300% há 12 anos? Felizmente, pelo menos metade dos eleitores da região dão valor a esse progresso, ou a situação seria muito pior. No entanto, uma divisão crescente entre esquerda e direita levou a uma perturbadora paralisia nas políticas.

Isso é especialmente visível no México, a segunda economia regional, depois do Brasil. A despeito de sua invejável localização, vizinho aos ricos Estados Unidos, o crescimento do México tem oscilado entre fraco e mediano desde sua crise econômica, há uma década. Por que o México não foi mais beneficiado pelo acordo norte-americano de livre comércio?

Parte do problema está na China emergente, onde os salários ultrabaixos criam uma competição dura com o México, cujos salários são apenas muito baixos. Mas o obstáculo real é um sistema político incapaz de chegar a um consenso sobre reformas econômicas essenciais. O novo presidente, Felipe Calderón, tem falado da necessidade de romper os monopólios do México. Por onde ele vai começar, pelos telefones ou pelas tortillas? Não falta o que escolher.

Camponeses labutam ineficientemente em pequenos lotes, numa forma de desemprego disfarçado semelhante ao da China rural. A companhia estatal de petróleo, responsável por uma grande fatia da receita do governo, é imensamente ineficiente e investe muito pouco em novos equipamentos e tecnologia. O crime é comum. Comparações internacionais da corrupção não dão resultados agradáveis. Pior de tudo, o candidato derrotado nas eleições, Obrador, parece disposto a lançar o país num conflito, em vez de aceitar a legitimidade constitucional de sua derrota.

Como os EUA planejam reagir? Seguindo com seu plano de construir um muro ao longo da fronteira sul.

O Brasil, enquanto isso, tem exibido louvável estabilidade política e macroeconômica. Mas, para crescer acima dos níveis modestos dos últimos anos, precisa com urgência reformar suas leis trabalhistas, abrir-se mais ao comércio exterior e melhorar a qualidade de seu ensino básico.

Com as duas maiores economias da América Latina relutantes em fazer reformas, as coisas ficam mais difíceis até para os países mais bem-sucedidos da região, como o Chile. É certo que até o crescimento fraco dos últimos anos representa o melhor desempenho da região desde os anos 70, e a renda está lentamente se aproximando daquela dos EUA, da Europa e do Japão. Mas a América Latina continua tendo o crescimento mais lento de todo o mundo em desenvolvimento. Não só China e Índia, mas também Europa Central, Ásia Central e o tumultuado Oriente Médio estão crescendo mais depressa. Até a África Subsaariana, com suas guerras e fome, expandiu-se mais rapidamente nos últimos anos.

Será que a Venezuela apresenta uma opção melhor para o crescimento? Infelizmente, não. A Venezuela está apenas aproveitando o vácuo da China, graças aos altos preços do petróleo. Quando o óleo despencar, o que vai acontecer em algum momento nos próximos anos, a economia da Venezuela vai entrar também em colapso. A longo prazo, os exportadores de commodities precisam inovar tanto quanto os industriais, para manter a lucratividade. Com a produção venezuelana de petróleo ainda muito abaixo do nível que tinha antes de Chávez, está claro como essa história vai terminar.

Na economia global hipercompetitiva de hoje, não há "terceira via" confiável para os países que querem evitar a contínua liberalização e reformas de mercado. Ao contrário, o novo capítulo de socialismo latino-americano tende a produzir uma reprise de episódios trágicos do passado.

Neste contexto, a inexplicável indiferença dos EUA pela região é tola e perigosa. O próximo Congresso democrata já sinalizou que é preciso "renegociar" os acordos de livre comércio com o Peru e a Colômbia. Que recado isto dá aos poucos aliados dos EUA que ainda restam na região? Se os americanos não começarem a valorizar seus amigos na América Latina, poderá ser necessária toda uma geração para desfazer o prejuízo.

KENNETH ROGOFF é ex-economista-chefe do FMI. © Project Syndicate.

Com Brasil e México relutantes em fazer reformas, as coisas ficam mais difíceis