Título: Para que então se desesperar atrás de emprego?
Autor: Dalvi, Bruno , Martin, Isabela e Frazão, Heliana
Fonte: O Globo, 10/12/2006, O País, p. 8

Beneficiários do Bolsa Família desistem até de emprego formal; agricultura e construção civil já sentem efeitos

VITÓRIA, FORTALEZA, TERESINA, SALVADOR e BELÉM. O alerta foi dado por produtores de café do Espírito Santo semana passada: com medo de perder o benefício do Bolsa Família, trabalhadores estão recusando ofertas de emprego na agricultura. Em vários estados do Norte e do Nordeste, situações semelhantes estão acontecendo, geralmente com trabalhadores que deixam de procurar bicos ou de aceitar o subemprego e rejeitam até mesmo o trabalho formal, de carteira assinada.

Os cafeicultores se queixam de que passaram a ter dificuldade para encontrar mão-de-obra, antes abundante. Segundo eles, os trabalhadores se recusam a entregar a carteira de trabalho para contratação porque, se o documento for assinado, isso poderia inviabilizar a continuidade do recebimento de dinheiro dos programas sociais.

- Os operários não querem mais trabalhar com medo de perderem o Bolsa Família. E, por causa desse programa social, a situação ficou complicada. Está cada dia mais difícil ter mão-de-obra - disse o presidente da cooperativa de cafeicultores do Espírito Santo e representantes do conselho nacional de política do café, Antônio Joaquim.

"Tenho medo de perder os dois"

No Ceará, setores como a construção civil também já começam a ser afetados. Há três anos, quando a mulher ainda não recebia o Bolsa Família em nome de quatro de seus seis filhos, Francisco Célio Bruno de Oliveira, de 34 anos, vivia atento a ofertas de emprego como servente, ocupação que rende em média R$60 por semana, mas isso mudou. Francisco já dispensou trabalho confiando receber os R$95 do Bolsa Família. Segundo ele, é um dinheiro certo, ao contrário das empreitadas como pedreiro.

A justificativa para recusar trabalho é o medo de perder o benefício, concedido a famílias cuja renda per capita mensal é de no máximo R$100. A única ocupação dele, que exerce em dias alternados, é a de catador de lixo reciclável. Ganha no máximo R$10 por dia. Agora, abre mão de uma renda maior, por período incerto, para não trocar o certo pelo duvidoso:

- Tenho medo de acabar perdendo um (o trabalho) e o outro (o benefício).

As reclamações contra beneficiários do Bolsa Família vêm aumentando no Piauí porque muitos não aceitam mais fazer limpeza de roça, de chácaras e serviços como lavagem de roupa por estarem amparados pelos benefícios do programa.

Deusa Maria de Oliveira, de 37 anos, disse que deixou de trabalhar como empregada doméstica depois que começou a receber o Bolsa Escola quando seu filho Francisco Gilson de Oliveira, atualmente com 17 anos, tinha 12 anos, mas ainda fazia bicos para sustentar os dois.

- Eu não trabalho mais em casa de brancos, onde se é humilhada. Eu trabalho na casa dos outros desde que tinha 7 anos, cuidando de crianças, lavando pratos, e, na medida que iam crescendo, aumentavam as tarefas e quase não ganhava nada. Com esse dinheiro que recebo do Bolsa Família e agora do benefício da Previdência (que o filho recebe por ser deficiente mental), não preciso sair de casa. Moro numa vila violenta e não posso deixar meu filho sozinho porque os "malas" (marginais) invadem a residência - disse Deusa, que mora na Vila Araguaia, zona sudeste de Teresina.

A dona-de-casa Maria dos Reis da Silva Cardoso vem ouvindo comentários maldosos das antigas clientes para quem lavava roupas na Vila Bandeirantes, bairro pobre da zona leste de Teresina. Mãe de seis crianças e recebendo R$95 mensais do Bolsa Família, Maria é acusada pelas antigas clientes de "fazer corpo mole e não querer trabalhar" por estar recebendo dinheiro do programa de transferência de renda.

Ela confirma que não lava mais roupas porque "vivia para morrer" com dores e por estar cansada do trabalho que vinha executando há 17 anos.

- Eu ganhava R$10 por lavado de roupas. É muito pouco para fazer isso três a quatro vezes na semana. O trabalho é muito puxado, e a saúde da gente não agüenta - disse Maria.

Separada do marido há cerca de três meses, a dona-de-casa Selene Santos de Souza, de 28 anos, voltou, junto com seus três filhos menores, de 5, 4 e 3 anos, a morar com os avós, que compartilham com a neta e os bisnetos o pouco que têm, numa casa simples e apertada, no bairro de Plataforma, periferia de Salvador.

Sem profissão definida e com baixa escolaridade, Selene adiou a procura por trabalho e se mantém com os R$65 que recebe do Bolsa Família.

Sonho é ter uma banca de camelô

Em Belém, se dependesse da dona-de-casa Rosimeire Sacramento, de 37 anos, o marido, Josiel, não procuraria mais emprego. Ela mesma já optou por ficar apenas em casa cuidando dos seis filhos. Josiel ainda faz bicos, carregando sacas de farinha na feira do Ver-o-Peso. Mas há quase um ano não tem emprego fixo. A família é sustentada quase que exclusivamente pelos R$95 do Bolsa Família.

No bairro da Terra Firme, também na periferia de Belém, a única fonte de renda na casa de dona Maria Pelegrino, de 32 anos, além do Bolsa Família, são as roupas que ela de vez em quando lava para fora Além dela e do marido, Benedito Mergulhão, 44, desempregado, a família tem uma filha, que está na escola.

- Nossa casa é humilde, a gente não tem luxo, então também não precisamos de muito dinheiro. Para que então se desesperar atrás de emprego? Quero juntar um dinheirinho e montar uma banca de camelô no centro - diz Benedito.

"Os operários não querem trabalhar com medo de perder o benefício"

ANTÔNIO JOAQUIM

Cafeicultor

"Eu não trabalho mais em casa de brancos, onde se é humilhada"

DEUSA DE OLIVEIRA

Dona-de-casa