Título: Baixo clero impõe fisiologismo na disputa na Câmara
Autor: Camarotti, Gerson e Lima, Maria
Fonte: O Globo, 10/12/2006, O País, p. 10

Para apoiar novo presidente da Casa, grupo de deputados que elegeu Severino negocia equiparação a ministros do STF, o que dobraria seus vencimentos

BRASÍLIA. O fisiologismo tomou conta da disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. Sem uma definição explícita do Palácio do Planalto para assumir a mediação na base aliada, o Baixo clero tomou conta da disputa e já apresenta um preço alto para apoiar o novo presidente da Casa: a equiparação entre os subsídios dos parlamentares, de R$12.847, e o teto dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de R$24.500. Na prática, um reforço no bolso dos deputados de quase 100%.

Em vez da tradicional queda-de-braço da política entre candidatos da base e da oposição, a sucessão na Câmara transformou-se de forma pragmática na barganha pelos privilégios: ganha o apoio do Baixo clero, a maioria da Casa, quem garantir que os vencimentos serão dobrados a partir de 2007. Estudiosos do comportamento dos diferentes grupos de deputados apostam na força do fisiologismo na eleição do novo comandante da Câmara, no início de fevereiro.

- Isso é indiscutível. Há um apelo muito forte entre os parlamentares sobre a equiparação. Qualquer candidato vai ter de trabalhar nessa perspectiva da equiparação salarial com o Supremo. Ou, no mínimo, sinalizar com um reajuste significativo gradual, que permita chegar à equiparação no fim do mandato - diz o cientista político Antonio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Acompanhamento Parlamentar (Diap).

Baixo clero é como é chamado o grupo de deputados de pouca visibilidade política, mas que têm forte poder nos subterrâneos da Câmara. Foi esse grupo que, em fevereiro de 2005, elegeu o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), que se intitulava o rei do Baixo clero, numa disputa que tinha, do outro lado, estrelas do alto clero como o petista Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e José Carlos Aleluia (PFL-BA).

- Quem assumir o compromisso da equiparação salarial com o Supremo ganha a eleição. O Baixo clero vai votar em massa no aumento do salário. Hoje, o deputado ganha, líquidos, apenas R$8.700. Ninguém agüenta - afirma o deputado Félix Mendonça (PFL-BA), com a experiência de quem já tem mandato desde 1983.

O diagnóstico de Félix Mendonça é confirmado por colegas da Câmara. A deputada Nice Lobão (PFL-MA) avisa:

- Esse aumento tem que sair já! Se isso acontece, o Aldo se elege. O Aldo é correto e discreto. Mas tem que ter coragem.

Aldo: recados para assumir bandeira do grupo

O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), já recebeu recados para assumir a bandeira do grupo, que inclui cerca de 300 deputados: se encampar o aumento, ganha o apoio da grande maioria do Baixo clero. A avaliação é de que, como Aldo já tomou medidas impopulares, extinguindo e demitindo mais de mil servidores lotados em Cargos de Natureza Especial (CNEs) - os cargos de confiança da Câmara - ele teria um discurso para enfrentar críticas da opinião pública.

Caso Aldo não assuma o desgaste, junto à opinião pública, do aumento dos vencimentos, ele perderia o apoio do Baixo clero, dizem representantes do grupo.

- Ninguém vai ganhar essa eleição sem o apoio do Baixo clero - avisa o deputado Wellington Roberto (PL-PB).

João Caldas: "Na calada da noite, o aumento vai sair"

O líder da minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA), que freqüenta a lista do alto clero da Casa mas conhece bem o que se passa por todos os andares do Congresso, diz que a pressão existe e é de interesse de todos:

- O Baixo clero vai cobrar publicamente aquilo que o alto clero não tem coragem de falar.

Um dos representantes do Baixo clero na Mesa Diretora, deputado João Caldas (PL-AL), revela que já tem um acordo secreto para a aprovação do aumento salarial e que isso deve ocorrer de forma discreta numa reunião da Mesa, no fim de dezembro.

- Já está tudo resolvido. Na calada da noite, o aumento vai sair - disse Caldas ao GLOBO.