Título: Comprometemos um patrimônio
Autor: Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 10/12/2006, O País, p. 14

Para senador, rigor ético é grande desafio do PT e do novo governo Lula

Ao longo de quase todo o primeiro mandato do presidente Lula, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) foi o homem forte do governo no Senado. Comandou votações e foi obrigado a defender o Executivo em meio aos escândalos que envolveram seu partido. Muitas vezes, foi criticado por colegas, que reclamavam da falta de atenção do líder, que mal dava bom dia. E ganhou apelidos como o de "Mercarrogante" e "Mercapedante".

Agora, fora da liderança do governo e sem planos de ocupar ministério, seu comportamento começou a mudar, e há quem o chame no Senado de "Mercassimpatia". A derrota na disputa pelo governo paulista, embora previsível, deixou feridas, por causa do envolvimento do coordenador de sua campanha, Hamilton Lacerda, no escândalo da compra do dossiê contra tucanos.

Mais leve na relação com os colegas, sua expectativa é de que o inquérito mostre que não compactuou com o escândalo. Mercadante não evita o assunto incômodo, mas está mais disposto a discutir o novo governo. Sugere que o presidente Lula governe de olho na história e não se deixe levar pela tentação das soluções fáceis ou do populismo econômico.

Qual a avaliação que o senhor faz do primeiro governo Lula e o que imagina que acontecerá no segundo?

ALOIZIO MERCADANTE: Acho que o balanço é muito positivo, e a população reconheceu. Terminamos o governo com 83% de regular, ótimo e bom, ou seja, uma grande aprovação e um resultado eleitoral consagrador, que legitimou o trabalho feito. A razão fundamental desse êxito foi a racionalidade econômica e o compromisso de inclusão social. O segundo mandato não pode ser a continuidade do primeiro, tem de ser encarado como um novo governo, e seu principal desafio é o crescimento acelerado do país, crescer 5% ao ano. Não será fácil, mas é possível.

O senhor já disse que, sem a reforma da Previdência e mudanças na política econômica, o país não conseguirá crescer 5% ao ano...

MERCADANTE: Tanto não consegue que o país, embora tenha crescido mais do que no período anterior, este ano não vai conseguir chegar a 3% de crescimento. Para chegarmos aos 5%, o país precisaria investir pelo menos 25% do PIB, mas hoje só conseguimos investir cerca de 19% ao ano. Isso significa que precisamos de mais R$100 bilhões de investimento por ano. Para isso, não basta reduzirmos a taxa de juros, mas também reduzir o custeio. O crescimento tem de virar obsessão.

Qual foi o principal erro do governo Lula?

MERCADANTE: Acho que o grande erro foi do PT, que é o partido mais importante na sustentação do governo, ainda é o mais votado, tem uma militância fantástica e teve um papel decisivo na história. Mas acho que foram os erros éticos. Esse era um patrimônio da nossa história partidária e que nós Comprometemos nesses episódios a que assistimos. O rigor ético é o grande desafio do partido e do governo.

O envolvimento do coordenador de sua campanha no escândalo do dossiê criou novas mágoas?

MERCADANTE: Estava motivado para a disputa, estudei e fiz uma campanha bonita e propositiva. Esse episódio é uma coisa inaceitável e incompatível com a minha história, que jamais poderia ter acontecido. Você pode ganhar ou perder uma eleição, mas tem de sair de cabeça erguida. Mas não se sai de cabeça erguida de uma eleição na qual há pessoas do seu partido envolvidas num episódio como esse. Prejudicou a campanha do Lula, a minha, a do PT, e destruiu a vida de alguns militantes. Meu consolo é que a apuração possa demonstrar que jamais apoiaria ou participaria disso.

Em algum momento pensou em desistir, deixar o PT?

MERCADANTE: Tenho mais de 30 anos de militância, e nunca meu nome foi associado a qualquer tipo de denúncia, nunca fui réu. A minha história foi fundamental para eu superar esse episódio. Mas a gente aprende com a dor, com o sofrimento e a derrota. A vida não é feita só de acertos, êxitos e vitórias. O importante é saber conviver com essas frustrações, ter coragem de identificar os erros cometidos, e são inegáveis, e aprender com esses episódios para que possamos estar mais fortes para os próximos embates.

E o novo governo Lula?

MERCADANTE: O presidente disse a mim e tem dito a outros que, depois deste governo, não vai disputar mais cargo eletivo. Então, acho que ele tem de olhar para a história e deixar um legado. Portanto, não enveredar pelo populismo econômico, não buscar soluções fáceis onde elas não existem, encarar as dificuldades com coragem e escolher as melhores pessoas, aumentando a eficiência e a gestão do Estado.

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