Título: Intelctuais de esquerda reagem à fala de Lula
Autor: Franco, Bernardo Mello e Lamego, Cláudia
Fonte: O Globo, 13/12/2006, O País, p. 9

Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas¿, disse o presidente

RIO E BRASÍLIA. A afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a chegada dos cabelos brancos coincide com o abandono dos ideais de esquerda desagradou a intelectuais que ultrapassaram a barreira dos 70 anos sem mudar as convicções. Na noite de segunda-feira, o petista disse que, ¿se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas¿. E atribuiu a mutação ideológica à ¿evolução da espécie humana¿.

¿ Quem é mais de direita vai ficando mais de centro, e quem é mais de esquerda vai ficando social-democrata. As coisas vão fluindo de acordo com a quantidade de cabelos brancos que você vai tendo e de acordo com a responsabilidade que você tem ¿ disse Lula, ao receber o prêmio de Brasileiro do Ano da revista ¿IstoÉ¿.

Plínio ironiza: ¿Vou consultar geriatras¿

Para o filósofo Leandro Konder, de 70 anos, o discurso do presidente soou como uma tentativa desastrada de aplicar o darwinismo à política.

¿ Lula ressuscitou uma besteira muito antiga, a associação de juventude com esquerda e velhice com direita. Ele nunca foi sinceramente de esquerda. Dizia isso para obter vantagens políticas, mas seu pensamento não tinha solidez alguma ¿ criticou Konder, que deixou o PT em 2003, no primeiro ano do governo.

Titular da seleção de ex-petistas ilustres, o advogado e militante Plínio de Arruda Sampaio disse, com ironia, que não se sentiu atingido pelas declarações presidenciais.

¿ Meus cabelos não são brancos: são grisalhos ¿ justificou. ¿ Mas depois de ouvir o discurso decidi consultar vários geriatras.

Na análise de Plínio, que tem 76 anos, a trajetória de Lula foi marcada pelo afastamento progressivo dos ideais de esquerda. Para ele, a transição do ex-sindicalista culminou com a Carta ao Povo Brasileiro, divulgada no fim da campanha presidencial de 2002.

¿ Faz tempo que ele não é mais um homem de esquerda. Quem acredita nisso é mais lulista que o Lula ¿ provocou Plínio, que em outubro concorreu ao governo de São Paulo pelo PSOL.

Exilado durante a ditadura militar, o poeta Ferreira Gullar, de 76 anos, afirmou que as palavras do presidente não merecem muita atenção. Ex-militante do PCB, ele acusou o petista de trair os próprios pensamentos e fazer discursos oportunistas para agradar a platéias diferentes.

¿ Amanhã ele vai dizer o contrário. O Lula diz qualquer coisa, a qualquer hora, dependendo do público que o assiste e da conveniência do momento. Ele nunca tem compromisso com coisa alguma, só com o poder ¿ atacou.

Gullar elogiou a capacidade de mudar de idéia ao longo da vida, mas disse que, no caso de Lula, o discurso de transformação é apenas oportunista.

¿ Eu seria a última pessoa do mundo a dizer que não devemos mudar de pensamento. Comecei fazendo um tipo de poesia que mudou no livro seguinte e está mudando de novo agora. Ninguém tem compromisso sagrado com qualquer idéia ou opinião. Hoje, tenho uma visão crítica do marxismo ¿ observou.

O economista Carlos Lessa, de 70 anos, atribuiu as declarações do presidente a um ¿exercício para livrar a própria consciência¿.

¿ Ele tinha a imagem de sindicalista radical e agora é um operador do sistema financeiro. Por isso tem necessidade de se auto-justificar ¿ atacou.

Demitido da presidência do BNDES em novembro de 2004, depois de criticar duramente a política macroeconômica do governo, Lessa criticou a aproximação entre o presidente e o deputado Delfim Netto (PMDB-SP), que comandou três ministérios no regime militar. Anteontem, Lula citou a nova amizade como prova da ¿evolução da espécie¿.

¿ Ele vive um período de auto-suficiência elevadíssima. Está se achando um gênio, mas sabe que abandonou o discurso anterior. Freud explica ¿ ironizou Lessa, antes de lembrar que, na época da Guerra do Vietnã, o dirigente mais jovem do Partido Comunista do país asiático tinha 72 anos.

Em Brasília, o discurso presidencial causou constrangimento a parlamentares de partidos aliados e do PT.

¿ Lula jamais pode esquecer os velhos esquerdistas do PT, que não tinham problemas com suas convicções depois dos 60 anos ¿ cobrou o vice-líder do partido na Câmara, Fernando Ferro (PE).

Aos 75 anos, o decano da bancada petista no Senado, Saturnino Braga (RJ), subiu à tribuna para contestar o discurso de Lula.

¿ Sou bem mais velho (do que ele) e minha tendência é de ir cada vez mais para a esquerda ¿ afirmou.