Título: A mais lenta das locomotivas
Autor: Passo, José Meirelles
Fonte: O Globo, 13/12/2006, Economia, p. 25

Banco Mundial diz que juros farão Brasil ficar atrás de Índia e China como potência comercial

Daqui por diante, e a cada dia mais, os países em desenvolvimento terão um papel preponderante na economia mundial. Eles serão seu principal motor, com uma potência maior que a dos países ricos. Por isso, sua renda média crescerá mais rapidamente, sua classe média será maior e terá melhores condições de vida, e a pobreza terá uma redução drástica. O avanço dos países em desenvolvimento se dará, em especial, ¿graças à emergência de locomotivas comerciais como China, Índia e Brasil¿, além de uma alta da produtividade em geral, e da acelerada difusão da tecnologia¿ ¿ segundo o informe ¿Perspectivas Econômicas Globais¿, divulgado ontem pelo Banco Mundial (Bird), e que registra no subtítulo o surgimento de uma nova fase: ¿Gerenciando a Próxima Onda de Globalização¿.

O documento, que traça cenários sobre as tendências da integração econômica global de 2006 a 2030, diz que ¿países em desenvolvimento, que estavam na periferia da economia global, agora estão indo para o centro do palco e se tornando sérios competidores nos mercados de países de alta renda, e em cada um de seus próprios mercados¿.

Desigualdades e tensão social prejudicam América Latina

O primeiro sinal disso é que eles crescerão 7% este ano, e pouco mais de 6% em 2007 e 2008 ¿ enquanto os países ricos terão um crescimento de, no máximo, 2,6%. O estudo deixa claro, no entanto, que das chamadas ¿três locomotivas¿ o Brasil vai demorar um pouco mais para obter os benefícios integrais da nova etapa da globalização. Por dois motivos: a taxa de juros mantida no país, e erros cometidos nas últimas duas décadas em termos de indústria e comércio. Ambos os fatores, segundo o Bird, já vêm retardando o avanço do país.

¿O crescimento econômico no Brasil está sendo contido pelas taxas de juros reais, que permanecem acima de 10%, e o conseqüente fortalecimento da moeda, que restringe o crescimento das exportações¿, diz um trecho do informe. Hans Timmer, economista holandês que coordenou o estudo, sugeriu que o problema terá de ser solucionado gradualmente.

¿ Para muitos países latino-americanos é difícil superar um legado de décadas de crise após crise. É por isso que o Brasil ainda tem altas taxas de juros, acima das de outros países em desenvolvimento. O governo as mantém simplesmente para garantir a estabilidade ¿ disse Timmer, justificando a participação mais lenta do Brasil nos benefícios da globalização.

Por sua vez, o vice-presidente e economista chefe do Bird, François Bourguignon, disse que a situação é reflexo do que acontece na América Latina em geral: o país não se preparou ao longo das últimas décadas:

¿ O Brasil e outros da região não foram capazes de desenvolver um setor manufatureiro para competição internacional, como os países do Leste e do Sul da Ásia. Sua vantagem comparativa é mais em recursos naturais, no setor agrícola, cujos produtos não têm ido bem, em parte devido à falta de dinamismo nas negociações da Organização Mundial do Comércio.

Bourguignon acrescentou que essa é uma das razões porque há muito menos dinamismo na América Latina. E mencionou outra:

¿ As estruturas econômicas se movem mais lentamente nessa região do que no resto do mundo. Talvez isso se deva a tensões sociais, mais agudas nessa área, ligadas a um nível alto de desigualdade, que, de certa forma, introduz alguma paralisia na forma como as economias podem evoluir e obter os benefícios da globalização.

Apesar do tom otimista, o informe traz alertas. Diz, por exemplo, que o avanço tecnológico e comercial dos emergentes será uma verdade apenas para os que tomarem providências vigorosas, desde já, para criar e manter uma infra-estrutura econômica, política e social compatível com o novo papel. Os que não fizerem isso verão crescer as desigualdades e ficarão para trás, marginalizados.

Segundo o Bird, a economia mundial poderia crescer dos US$35 trilhões de 2005 para US$72 trilhões em 2030. O comércio aumentaria três vezes, para US$27 trilhões. Os países em desenvolvimento que há duas décadas supriam 14% das importações manufaturadas dos ricos, hoje fornecem 40% e, em 2030, forneceriam mais de 65%.

Classe média dos países emergentes vai triplicar até 2030

E apesar do crescimento da população mundial ¿ a uma taxa de 60 milhões por ano, das quais 95% nos países em desenvolvimento ¿ o avanço comercial proporcionará uma acentuada queda da pobreza.

¿ O número de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia poderá cair à metade, do atual 1,1 bilhão para 550 milhões em 2030 ¿ disse Bourguignon, acrescentando que 1,2 bilhão de habitantes dos países emergentes pertencerá à ¿classe média global¿ em 2030, em comparação aos 400 milhões de hoje.

PAÍS DEVE SUPERAR GARGALOS DE INVESTIMENTOS, na página 26