Título: A segunda vez
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 15/12/2006, O Globo, p. 2

O presidente Lula chegou mesmo ao TSE, para a solenidade de sua diplomação, disposto a não se emocionar como em dezembro de 2002, quando destacou o fato de estar recebendo o primeiro diploma de sua vida. Ontem, garantiu aos auxiliares que não sairia do discurso escrito. Saiu, emocionou-se e chorou, desta vez, segundo indicação do próprio discurso, por motivos diferentes.

Eles apareceram em sua referência enfática à autonomia com que o eleitorado mais humilde do país foi às urnas e o reelegeu, ¿dispensando intermediários¿. Embora tenha destacado a normalidade do processo eleitoral, falava nas entrelinhas da beligerância da campanha em decorrência dos escândalos em que se envolveram dirigentes do PT e alguns destacados membros do governo. Em conversa recente, já reeleito, disse numa roda de políticos: ¿Só eu sei das infâmias por que passei para chegar até aqui¿.

O voto dos mais pobres foi mesmo determinante, mas o segundo turno, uma bênção para Lula, ao lhe conferir uma votação de 60,1% dos votos, atenuou o corte social do voto que ele ontem destacou, o que só amplia a legitimidade de sua reeleição ¿ no que pese o constrangimento de ser diplomado com as contas do comitê financeiro do partido rejeitadas. Embora tenha destacado a autonomia política das grandes massas, ao repetir com voz embargada que sua reeleição marca o fim do ¿voto de cabresto¿ e que o povo ¿aprendeu a formar sua própria opinião¿, teve Lula a sensibilidade de agradecer aos que votaram nele e aos que votaram em outros candidatos, atores igualmente importantes no aprimoramento democrático que o rito de ontem expressou, nas palavras do ministro Marco Aurélio de Mello. Lembrou ainda, apropriadamente, o significado da urna eletrônica, com a qual o imenso e culturalmente diversificado eleitorado brasileiro aprendeu a lidar desde a primeira experiência, pondo fim às fraudes e à baixa confiança dos brasileiros nas eleições. Segundo a pesquisa do Latinobarômetro recentemente divulgada, um dos mais elevados índices de confiança eleitoral, entre os países latino-americanos, verifica-se no Brasil.

Vencida a vertigem emocional, Lula falou ainda de sua imensa responsabilidade, da obrigação que terá, a partir do ano que vem, de comparar seu segundo governo com o primeiro, e não mais com o de Fernando Henrique, como fez na campanha, embora não tenha chegado a citá-lo. Tendo o eleitorado demonstrado tão grande complacência com as falhas éticas do governo, em nome dos resultados apresentados, será mesmo imensa a frustração caso ele não cumpra a promessa central da campanha, em nome da qual pediu mais quatro anos de governo: a de assegurar um período de crescimento econômico que represente mais igualdade e progresso social.

As lágrimas estão correndo fácil estes dias em Brasília. Já choraram em público nos últimos dias, além de Lula, a senadora Heloísa Helena, a ministra Dilma Rousseff (ontem no TSE), o ministro Furlan e muitos deputados que estão se despedindo. São as razões humanas, todas muito compreensíveis.