Título: Proteção contra juros abusivos
Autor: Brígido, Carolina e Sampaio, Nadja
Fonte: O Globo, 15/12/2006, Economia, p. 37

Decisão do STF abre caminho para contestação judicial de taxas cobradas por bancos

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) permitirá que correntistas contestem na Justiça as taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras. De agora em diante, os juízes poderão considerar abusivos os índices estabelecidos nos contratos. O entendimento da mais alta Corte do país, ratificado ontem, é que o questionamento é extensivo à Selic, taxa básica de juros da economia, fixada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC). Em ambos os casos, os julgamentos poderão ser feitos à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma derrota para o setor bancário, que tentava se manter exclusivamente sob a regulação do BC.

A posição do STF foi firmada no julgamento de recurso proposto pelo Ministério Público a uma decisão tomada pelo próprio tribunal em junho, quando ficou entendido que o CDC era aplicável às relações entre bancos e clientes. Na ocasião, o tribunal decidiu que os juros cobrados em contratos individuais poderiam ser contestados na Justiça apenas com base no Código Civil. A taxa Selic não poderia ser alvo dessas ações, pois seu patamar seria de atribuição exclusiva do Copom. A intenção do MP era deixar a ementa (resumo da decisão) mais clara.

Consumidor ganha com uso de Código

Ontem, os ministros do STF resolveram retirar da ementa a parte do texto referente às taxas de juros ¿ tanto as dos contratos com correntistas quanto a Selic. Com isso, ficou um vácuo na norma, o que abre caminho para os juízes de primeira e segunda instâncias utilizarem o CDC no julgamento dessas contestações.

A derrota para os bancos é grande. Durante a sessão, os ministros ressaltaram que o CDC está sempre a favor dos clientes. Portanto, a utilização do Código Civil como referência no julgamento dessas ações aumentaria as chances dos bancos de sair vitoriosos dos tribunais.

A revisão ocorreu porque os ministros avaliaram que o texto da ementa, de autoria do ministro Eros Grau, havia sido escrito de forma diferente da decisão proferida em junho. Grau defendeu a manutenção de seu texto durante o julgamento, mas acabou sendo convencido a mudá-lo. A decisão foi unânime. Após a sessão, o relator considerou pouco provável que os juízes ousem modificar a Selic nos julgamentos de ações.

¿ É difícil imaginar que a formulação da política monetária nacional seja transferida do CMN (Conselho Monetário Nacional) para juízes. Certamente isso não vai acontecer. Mas terá de ser discutido caso a caso. Antes tinha ficado claro que quem fixa a taxa Selic é o Banco Central. Agora, com essa limpeza da ementa, isso não está mais claro. A taxa em cada operação é outra coisa. Isso pode ser examinado pelo Judiciário, que avaliará se há onerosidade excessiva, abuso ¿ disse.

Na sessão de ontem, o relator chegou a argumentar que, se a ementa fosse modificada, as pequenas e médias empresas poderiam ser prejudicadas. Para o ministro, os bancos poderiam reduzir a oferta de créditos, temendo que, diante de possíveis ações, as taxas de juros fossem reduzidas por decisões judiciais. O argumento, no entanto, não sensibilizou o restante do plenário.

No julgamento de junho, por nove votos a dois, o STF obrigou as instituições financeiras a se adequar ao CDC. Com isso, clientes que se sentiam lesados com juros supostamente abusivos, cobranças indevidas ou mau atendimento viram-se livres para apresentar queixas à Justiça com base nessa legislação. Os ministros entenderam que o direito à defesa do consumidor está na Constituição Federal de 1988 e deve ser utilizado de maneira universal.

Para Fernando Scalzilli, presidente da Associação dos Direitos Financeiros do Consumidor (Proconsumer), a decisão favorece não apenas os consumidores, mas as instituições financeiras sérias:

¿ Não estamos falando em tabelamento de juros. As instituições financeiras captarem dinheiro a X, e acrescentarem um spread para emprestar, é saudável. O que não pode haver é abuso, agiotagem oficial.

Bancos dizem que não serão afetados

Ainda segundo Scalzilli, não era ao Código Civil que os bancos recorriam para justificar os juros abusivos, mas ao BC, que diz que as instituições podem cobrar o que quiserem:

¿ Os juros continuam livres, mas com a aplicação do CDC o que se quer é garantir o equilíbrio.

Para Marli Aparecida Sampaio, diretora-executiva do Procon-SP, a decisão do STF representa um avanço.

¿ O CDC nunca quis regular a atividade bancária. Agora ficou claro que, onde houver abuso, o código se aplica.

O Procon de São Paulo, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) acompanham a ação de inconstitucionalidade dos bancos desde o início. Ao ser publicada a ementa do STF, o Idec, o Brasilcon e o Ministério Público Federal entraram com embargos de declaração, pedindo que o texto tivesse uma redação mais clara, principalmente com relação aos juros. Marilena Lazzarini, coordenadora-executiva do Idec, comemorou a modificação:

¿ É muito importante que o texto da ementa não crie nenhuma ambigüidade, que dê margem a várias interpretações, permitindo aos bancos postergar os processos.

Em nota a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que o julgamento de ontem, ¿em nada altera o ambiente de negócios das instituições financeiras, que, desde a vigência do CDC, em 1990, fizeram as adaptações necessárias em seus contratos e procedimentos, para se adequarem¿.