Título: De olho no próprio futuro
Autor: Bottari, Elenilce e Magalhães, Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 14/12/2006, Rio, p. 17

Cesar Maia mantém no ar a intenção de se auto-indicar para Tribunal de Contas e é duramente criticado

ACesar o que é da cidade. A simples hipótese de o prefeito Cesar Maia, já bastante criticado por fazer política na internet em vez de tomar conta da cidade, se auto-indicar a uma vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Município (TCM), como revelou ontem O GLOBO, causou surpresa e indignação entre cientistas políticos, vereadores de oposição e moradores da cidade. A opinião da maioria é que, caso o prefeito realmente submeta seu nome à Câmara para substituir o jornalista Sérgio Cabral (pai do governador eleito), que se aposenta em abril, estaria usando o cargo em benefício próprio e deixando o Rio à deriva.

O prefeito diz que só pretende tratar do assunto depois de fevereiro. Ontem, Cesar Maia reafirmou que um dos motivos que o fez pensar na indicação do próprio nome é poder contar com alguém que defenda sua gestão no TCM. Embora não tenha voltado atrás, ele foi mais reticente e disse que o conselheiro não precisaria ser necessariamente ele. Para se justificar, o prefeito recorreu à geometria:

¿ O vértice do diagrama tem meu nome. Estar no vértice do diagrama da decisão não é a decisão. Estou no vértice do diagrama a partir do qual se abrem X nomes para eu decidir. Essa é uma nomenclatura técnica apenas ¿ justificou o prefeito, em entrevista por e-mail.

A indicação para o TCM, que provavelmente só ocorreria depois do Pan, precisaria ser aprovada por maioria simples (26 vereadores). O escolhido receberá um salário de cerca de R$20 mil (equivalente a um desembargador em início de carreira), carro (com motorista) e terá direito a 14 funcionários (do quadro do tribunal e indicados livremente). A atividade exige dedicação integral, exceto se o conselheiro também se dedicar ao magistério. Após cinco anos no cargo, o conselheiro já tem direito a receber aposentadoria integral. Caso renuncie, para se candidatar a um cargo eleitoral, por exemplo, terá direito a aposentadoria proporcional. Como tem 61 anos, o prefeito poderia ocupar a vaga de conselheiro por mais nove anos antes da aposentadoria compulsória.

¿ A impressão é que depois de três administrações, Cesar está entediado e perdeu a motivação para cuidar do Rio. O TCM pode ser uma saída porque, por mais que tente se projetar nacionalmente, ficou marcado como político local ¿ disse a cientista política, Lúcia Hippolito.

A vereadora Andrea Gouvêa Vieira (PSDB) vê conflitos éticos na ida de Cesar Maia para o TCM:

¿ Durante quase 15 anos (incluindo o governo Conde), a administração da cidade esteve com o prefeito. Necessariamente, ele terá que prestar esclarecimentos ao Tribunal de Contas sobre fatos como a existência de R$500 milhões de despesas sem empenho nos últimos anos. Como ele vai poder decidir sobre coisas do próprio interesse?

Édson Santos (PT) faz coro:

¿ Seria como nomear uma raposa para tomar conta do galinheiro. O prefeito tem explicações a dar para temas como a crise na saúde.

Historiadora vê factóide de Cesar

O jogo de xadrez montado pelo prefeito também poderia assegurar a permanência da dinastia Maia no Rio. Segundo a legislação, se Cesar renunciar até o fim de março de 2008 (seis meses antes das eleições), seu filho, o deputado federal Rodrigo Maia (PFL), poderá ser o candidato do partido a chefe do executivo. Sem a renúncia, o grau de parentesco não permitiria a candidatura de parente próximo depois de um segundo mandato consecutivo. A mesma regra impediu, por exemplo, que Rosinha Garotinho tentasse a reeleição ao governo do estado este ano porque preferiu não deixar o cargo.

¿ Se o arranjo familiar está na origem desta possível auto-nomeação, nada há de ilegal. Mas será uma tentativa de manipular os limites da Lei Complementar 64/90 (que prevê os casos de impedimento de candidaturas). O ato é bastante simbólico de tudo que há de autoritário e repugnante na política brasileira. A idéia afronta os princípios da impessoalidade e da moralidade ¿ diz o especialista em direito eleitoral, Maurício Duarte.

A historiadora da Fundação Getúlio Vargas, Maria Celina de Araújo, prefere acreditar que se trata de mais um factóide de Cesar.

¿ O prefeito virar conselheiro para fiscalizar suas contas, seria a desmoralização do Tribunal de Contas e das instituições do estado ¿ analisou.

O vice-prefeito e deputado federal eleito Otávio Leite (PSDB) descartou ontem a hipótese de abrir mão da vaga como parlamentar na expectativa de herdar o cargo. Ele diz que as expectativas que tinha de assumir o lugar de Cesar terminaram quando ele não se lançou nem a presidente nem a governador.

¿ Eu não acredito em Papai Noel. Nem que o prefeito deixe o cargo ¿ disse o vice-prefeito.

A decisão de Otávio abre caminho para, em caso de renúncia de Cesar, o mandato ser completado pelo presidente da Câmara de Vereadores. Hoje, o posto é de Ivan Moreira (PFL), nome de confiança do prefeito, que deve ser reeleito para o cargo no dia 2 de janeiro.

Já o vereador Eliomar Coelho (PSOL) afirmou que recorrerá à Justiça caso a Câmara dos Vereadores aprove a suposta auto-indicação:

¿ Não há previsão em lei para a auto-nomeação até porque isto é impensável. Mas o prefeito, quando assumiu, jurou ser ético e isto é uma afronta à ética. Portanto, se esta casa aprovar este absurdo, vou recorrer à Justiça. Ele é prefeito do Rio e não dono da cidade. Nós merecemos mais respeito ¿ criticou Eliomar.

O líder do governo, Paulo Cerri (PFL), disse que ainda não tratou da vaga para o TCM e que sua prioridade é aprovar o orçamento. Mas se derrama em elogios para o chefe e adianta que, se este for o desejo do prefeito, garantirá os votos.