Título: Polícia soluciona só 1,31% dos homícidios
Autor: March, Rodrigo
Fonte: O Globo, 14/12/2006, Rio, p. 30

Pesquisa mostra que as investigações se arrastam e os inquéritos acabam sendo concluídos sem sucesso

Uma pesquisa do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostra que o índice de elucidação de homicídios dolosos ¿ com a intenção de matar ¿ é extremamente baixo no Estado do Rio, mesmo após a implantação do programa Delegacia Legal, em 1999. O levantamento revela que, de 392 crimes desse tipo em 2002, apenas 4,1% foram elucidados pela polícia. Se excluídos os casos em que houve flagrante, o índice de elucidação cai para 1,31%.

Na Argentina, segundo estatísticas da Interpol, 43% dos homicídios são resolvidos. Na Inglaterra, 90%. No Brasil, a única base de comparação, segundo a presidente do ISP, Ana Paula de Miranda, é o estado de Pernambuco, onde o índice de elucidação é de 2%:

¿ Claro que 4,1% e 1,31% são pouco. O ideal é que essa pesquisa fosse anual, mas não há verba ¿ disse ela.

Pesquisadores analisam 392 registros e inquéritos

A pesquisa foi realizada, de maio a outubro de 2005, e divulgada, em abril, pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Foram analisados 392 registros de ocorrência e inquéritos em cinco delegacias legais, já que um dos objetivos do estudo era saber se o programa melhorou o nível das investigações. Além disso, os pesquisadores ouviram no período 26 delegados e 16 inspetores de polícia, totalizando 42 entrevistas.

O ano escolhido para análise foi o de 2002, por três motivos: os registros não são recentes, portanto, os casos já poderiam ter sido elucidados; porque o ano não é próximo da implementação do programa Delegacia Legal, possibilitando uma análise do mesmo; e porque foi o ano de maior taxa de homicídios por cem mil habitantes desde 1998 (46,1).

Para que a amostra fosse representativa de realidades distintas no Rio, foram escolhidas delegacias de AISPs (Áreas Integradas de Segurança Pública) diferentes, com grande e pequeno volumes de homicídios, de acordo com uma avaliação do padrão de casos registrados de 2000 a 2003. Foram analisados casos da 34ª DP (Bangu), na época em quinto lugar no ranking de homicídios; da 21ª DP (Bonsucesso), em nono lugar; da 6ª DP (Cidade Nova), em 29º lugar; da 20ª DP (Vila Isabel), em 60º lugar; e da 12ª DP (Copacabana), em 87º lugar.

Laudos cadavéricos demoram em média 83 dias

A análise dos documentos também mostra por que as investigações se arrastam por tanto tempo e são concluídas sem sucesso. O problema começa ainda no local do crime, que não é preservado até a chegada dos peritos.

A demora na chegada dos peritos também prejudica a preservação do local. Algumas equipes de peritos chegam a atender a até cinco delegacias. A falta de estrutura também atrasa a entrega dos laudos. O resultado dos exames de local demora, em média, 56 dias para ser entregue à polícia. Dos 381 casos sem flagrante, 38,6% ainda não tinham laudos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE). Já o Instituto Médico-Legal (IML) demora, em média, 83 dias para entregar os laudos cadavéricos. E 20% ainda não tinham sido entregues.

A elaboração do registro de ocorrência, que mostra a primeira impressão sobre o crime e direciona toda a investigação, também apresenta problemas. O principal deles está na ¿dinâmica do fato¿. Dos 392 registros analisados, 57,1% tinham um relato padronizado da PM, ou seja, os policiais se preocuparam mais em relatar seus procedimentos administrativos do que em descrever o fato em si. Ainda neste campo do registro, 36,5% continham informações irrelevantes e 82,4% não possuíam dados sobre a circunstância da morte.

Outro problema é a dificuldade para arrolar testemunhas, tarefa que cabe à Polícia Civil. Apenas 49,9% dos registros tinham duas testemunhas, que são os próprios policiais militares. Parte dessa dificuldade está ligada ao medo de represálias do tráfico de drogas, responsável por 30,6% das mortes nas cinco delegacias.