Título: Fim de linha
Autor: Cruvinel, Teresa
Fonte: O Globo, 16/12/2006, O Globo, p. 2

É bastante conhecido o prognóstico do deputado Ulysses Guimarães sobre a chance zero de uma legislatura do Congresso ser melhor que a anterior. Se for assim, estamos feitos. Ou então ficamos com a esperança de que a progressão aritmética do doutor Ulysses tinha como horizonte a legislatura que conseguisse chegar ao fundo do poço, objetivo que a atual parece ter alcançado.

Não é o custo do reajuste de 90,7% no subsídio dos parlamentares (que passa a ser de R$24.500 em fevereiro), nem seu impacto sobre as contas públicas, nem mesmo seus aspectos legais que o tornam escandaloso. Que detonam a onda de indignação que ontem chegou, através de e-mails, aos jornais, sites e blogs e dos próprios gabinetes de congressistas. O que choca é a acintosa busca do privilégio, o que ofende é o escárnio para com os que pagam impostos e, sobretudo, para com os mais desvalidos do país. O salário mínimo, como gosta de destacar o presidente Lula, teve uma de suas maiores valorizações nos últimos quatro anos. Mas, no período, seu reajuste foi de apenas 46%, metade do índice que os congressistas resolveram aplicar aos próprios subsídios. Com que cara, na terça-feira, irão estes mesmos congressistas fixar o valor do salário mínimo para o ano que vem? Vão se pegar na discussão dos R$8 reais, ao escolher entre os R$367 defendidos pelo governo e os R$375 que setores do Congresso agora querem, alegando que o ministro Mantega chegou a admitir este valor, contando ainda com um crescimento maior da economia este ano? Com que cara vão aprovar um Orçamento que reserva para as pastas de Cultura, Esporte e Turismo uma dotação conjunta equivalente ao que será consumido com o reajuste?

A questão fiscal conta, certamente: o aumento terá um impacto de aproximadamente R$170 milhões, valor que pode ser perfeitamente acomodado no gordo orçamento do Congresso. Haverá o efeito cascata nos estados, que ninguém conseguirá segurar. Mas o que choca é a insensibilidade da elite do Congresso, que desta vez se juntou ao baixo clero com desassombrada inconsciência. A equiparação está prevista mas nunca foi feita porque o momento nunca recomendou, como não recomenda agora. Se PPS e PV recorrerem ao STF, devem perder. É legal mas é imoral, como diz velho chavão. Resta esperar que a nova legislatura, embora tão pouco renovada (em apenas 46%), resolva sair do fundo do poço.