Título: Dilma adere à idéia de retirar militar do comando do tráfego aéreo no país
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 17/12/2006, Economia, p. 34

Brigadeiro cita terrorismo para defender administração pela Aeronáutica

BRASÍLIA. A pressão exercida por controladores de vôo, aeronautas e empresas de aviação há mais de dois meses começa a dar resultados: o Brasil caminha para a desmilitarização do controle aéreo. As últimas resistências sobre o tema estão sendo vencidas no governo, que pode anunciar a decisão política da troca da natureza do serviço em dez ou 15 dias. A principal adesão à retirada dos militares do comando do tráfego comercial foi da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, informou ao GLOBO uma fonte do Palácio do Planalto.

A Aeronáutica ainda resiste à idéia e tenta criar condições para uma ¿desmilitarização branca¿, absorvendo uma série de procedimentos civis ao cotidiano das operações, mas mantendo a chefia do controle ainda nas mãos dos militares. A Força Aérea lembra inclusive dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA para reforçar a necessidade dos militares no setor.

A ofensiva do brigadeiro Luiz Carlos Bueno, comandante da Aeronáutica, começou durante as reuniões do grupo de trabalho (GT) criado pelo governo para pensar o futuro do controle do tráfego aéreo no Brasil. O brigadeiro chegou a negociar até mesmo a permissão para que alguns civis ocupassem cargos de gestão no Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea).

Mas os demais membros do GT ¿ empresas, controladores, aeronautas, ministérios da Fazenda, da Defesa e do Planejamento, Advocacia-Geral da União, Infraero e Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ¿ estão fechados com a proposta de entregar o setor aos civis.

Falta de transparência fez ministra mudar de posição

Até o feriado de Finados ¿ na primeira grande operação-padrão dos controladores, que parou os aeroportos ¿ Dilma era favorável a manter o controle aéreo nas mãos dos militares. Mas, segundo interlocutores, nestes dois meses de atrasos de vôos e de descoberta de problemas técnicos e de gestão, Dilma acabou se convencendo de que a transferência do controle aos civis é a melhor solução para o setor.

A falta de transparência do controle aéreo e de outros órgãos do próprio governo favoreceu a mudança de posicionamento da ministra ¿ que, como gestora de governo, exerce grande influência sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para tentar evitar o que considera ¿o mal maior¿, Bueno iniciou, então, o processo de ¿desmilitarização branca¿ na Força Aérea. Por ele, serão adotados alguns procedimentos civis na estrutura militar.

Uma das medidas mais emblemáticas foi a retomada de concurso público para contratação de 64 controladores civis para os quatro Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindactas), que fazem a parte mais importante do trabalho de monitoramento dos céus do Brasil.

Atualmente, há apenas 95 desses controladores atuando nos centros militares. O último concurso desse tipo ocorreu em 1986, há exatos 20 anos. O Comando da Aeronáutica havia derrubado dois concursos nos últimos três anos. Além disso, Bueno aceitou a contratação de 80 engenheiros civis para atuar como corpo técnico fixo e especializado dos Cindactas. Eles seriam civis justamente para evitar algumas características militares, como as diversas mudanças de endereço.

A Aeronáutica também já estuda mudar a remuneração dos sargentos-controladores, uma das medidas mais polêmicas, por romper a hierarquia dos postos. Há 2.112 militares nessa função, com salários de R$1,5 mil a R$3 mil. Os iniciais civis começarão ganhando R$3.150. Avalia-se a criação de gratificações especiais ou mesmo a promoção de todos os controladores a oficiais. Isso traz uma série de questionamentos, inclusive na equiparação com Exército e Marinha.

Solução intermediária não está fora de cogitação

O brigadeiro estuda ainda abrandar algumas obrigações militares, introduzindo o fim da obrigatoriedade do rodízio de moradias e das guardas, quando os controladores trocam os consoles por fuzis para vigiar, por um dia inteiro, um quartel.

Um dos interlocutores na discussão acredita que será encontrada uma solução intermediária. O órgão ainda teria militares, que aos poucos seriam substituídos por civis, e poderia ter uma gestão civil e ligada ao Ministério da Defesa, vivendo um processo semelhante ao da Infraero, que não é mais subordinada ao Comando da Aeronáutica.

Para essa solução, seriam necessárias alterações jurídicas, além da divisão do Decea. O próprio Estatuto dos Militares teria que ser alterado para permitir que os controladores militares possam receber ordens de administradores civis.

¿ Todo esse processo tende a ser muito complicado. Antes de tudo, ele terá de passar pelo Congresso, onde poderá ser muito modificado ¿ afirmou uma alta fonte do setor.

Ninguém do setor, entretanto, espera uma mudança simples e rápida. O processo completo de troca pode durar até uma década.

¿ Temos que definir rapidamente qual o formato que queremos: civil ou misto ¿ afirmou Fernando Gabeira (PV-RJ), deputado que integra a comissão de deputados que estuda o setor.