Título: Sanguessugas mentem para evitar cassação
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 18/12/2006, O País, p. 4

Deputados processados alegam doenças inexistentes para faltar às sessões do Conselho de Ética

BRASÍLIA. Para tentar preservar seus direitos políticos, escapando da cassação do mandato na reta final desta legislatura, os deputados envolvidos no escândalo dos sanguessugas estão usando artifícios para driblar o Conselho de Ética da Câmara. Dos 67 representados no Conselho, 27 se recusam a aparecer, alegando doenças e outros compromissos. Alguns dos parlamentares que apresentaram atestados médicos para não depor no colegiado, alegando sérios problemas de saúde, foram flagrados circulando pelo Câmara, com boa disposição, em outras sessões da Câmara e no plenário.

João Caldas (PL-AL) deveria ser ouvido no Conselho na última quinta-feira. Na hora, com tudo pronto, o parlamentar apresentou atestado médico alegando estar com estresse grave, hipertensão e diabete. Por isso, não poderia comparecer à Câmara. Mas Caldas foi desmentido pelo Relatório de Presença na Casa, um documento da Mesa Diretora que registrou que ele esteve na Câmara naquele dia.

Apenas dez deputados depuseram no Conselho

Durante a semana, O GLOBO flagrou dois outros parlamentares que se negaram a depor no Conselho. Lino Rossi (PP-MT) e Ricarte de Freitas (PTB-MT), também com depoimentos marcados, alegaram que tinham parentes doentes e justificaram a ausência. Mas os dois circularam pelo plenário da Câmara esta semana e não se prontificaram a depor no Conselho de Ética.

Com esses artifícios, os parlamentares atrasam a tramitação dos processos no Conselho, que já trabalha com o tempo exíguo e com restrições de prazos para analisar e julgar um número tão grande de parlamentares. Dos 67 deputados citados pela CPI dos Sanguessugas, apenas dez foram ouvidos até agora. Outros 27 contatados pelo Conselho se recusaram a comparecer e alegam, além de doença, que já tinham compromissos previamente assumidos.

O deputado Cleuber Carneiro (PTB-MG), que também foi citado pelo empresário Luiz Antônio Vedoin como envolvido no esquema de superfaturamento de ambulâncias com recursos do Orçamento, chegou a tirar licença médica, para não ter que prestar depoimento. Cleuber era suplente e assumiu o mandato no final de outubro. Foi notificado pelo Conselho e sequer apresentou sua defesa escrita.

Recentemente, Cleuber encaminhou atestado médico e justificou sofrer de uma miocardiopatia e insuficiência cardíaca. Mas, semana passada, o parlamentar foi visto na Câmara e, mesmo na suplência, seu nome foi registrado pelo relatório diário de controle interno da Casa.

Integrante do Conselho de Ética, o deputado Nelson Trad (PMDB-MS) ironizou a quantidade de atestados médicos apresentados pelos deputados.

¿ Em 20 anos de Câmara, nunca presenciei essa epidemia de atestados. Que mal é esse que só acomete quem responde a processo por quebra de decoro parlamentar?! ¿ disse Nelson Trad.

Alguns processos também atrasam por conta da inércia dos relatores. Deputados que integram o Conselho e que não foram reeleitos sequer estão indo à Câmara, e deixaram a instrução dos processos de lado. É o caso de Herculano Anghinetti (PP-MG), relator dos casos que envolvem a deputada Edna Macedo (PTB-SP) e Marcondes Gadelha (PSB-PB).

Depois das eleições, muitos deputados deixaram o Conselho e a rotatividade é alta no órgão. Formado por 30 conselheiros, entre titulares e suplentes, já passaram por lá 80 deputados.

Projeto para suspender reabertura de casos antigos

Esta será a última semana de funcionamento do Congresso Nacional e a última chance do Conselho de Ética tentar avançar nos processos. O presidente do conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), já anunciou que mesmo os processos que envolvem parlamentares não reeleitos e que não forem julgados pelo órgão serão enviados ao Ministério Público.

¿ Os relatores terão que apresentar pareceres sobre todos os processos, apontando se há indícios de culpa dos deputados ou não ¿ cobra Izar

Poucos são os deputados que se apresentam para depor espontaneamente, com interesse, de fato, em esclarecer a situação. Na semana passada, o deputado João Magalhães (PMDB-MG), que foi reeleito, só decidiu depor depois que a Câmara suspendeu a votação de um projeto que impediria a reabertura dos casos antigos na nova legislatura. Se fosse aprovado, ele estaria anistiado mesmo sem ser julgado.

Magalhães foi citado por Vedoin, que disse ter repassado ao deputado R$42 mil em dinheiro. O deputado teria um acordo com o empresário de receber 10% do valor das emendas liberadas de sua autoria e destinadas para compra de ambulância. Magalhães teria conseguido liberar de suas emendas R$350 mil e é com base nesse valor que ele fez sua defesa no conselho:

¿ A prova de que não estou envolvido é que 10% de R$350 mil não são R$42 mil, mas R$35 mil ¿ disse Magalhães.