Título: Estigma do tráfico leva a rotina de miséria
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 18/12/2006, O País, p. 8

Refugiados colombianos relatam histórias de preconceito e temem denunciar a exploração em subempregos

LETÍCIA (Colômbia), TABATINGA (AM) e MANAUS. A sensação de alívio ao cruzar a fronteira lentamente dá lugar ao drama do exílio. Livre das ameaças de tortura e morte dos grupos guerrilheiros, os refugiados colombianos que chegam quase diariamente ao Brasil pela selva amazônica aos poucos se deparam com as dificuldades impostas por um país novo ¿ ainda com graves problemas econômicos e um língua diferente ¿ e com o estigma que os relaciona ao tráfico de drogas. O resultado é uma rotina de desemprego, miséria e preconceito.

¿ Não estão nos apontando mais as armas, mas sem empregos e comida também não vamos sobreviver ¿ diz Teresa (nome fictício), de 38 anos, que há um ano e quatro meses deixou a Colômbia marcada para morrer pelos paramilitares de direita, que a acusaram de colaborar com o Exército Nacional.

¿Refugiados e guerrilheiros são quase a mesma palavra¿

Teresa e duas primas chegaram a Manaus ano passado juntos com outros 20 colombianos, igualmente forçados a deixar seu país. Dispostos a recomeçar a vida, mas ainda perdidos no novo habitat, decidiram recorrer a um costume da terra natal. As mulheres foram para a cozinha preparar empanadas (pastéis de carne) e arepas (salgados à base de milho) e os homens saíam às ruas para vendê-las. O negócio começava a andar quando, relatam, comerciantes locais passaram a espalhar que os novos concorrentes eram refugiados de guerra. A notícia foi implacável.

¿ Pensamos que poderíamos trazer um novo costume, mas somos colombianos, negros e refugiados. Refugiados e guerrilheiros são quase a mesma palavra aqui. Quem vai nos aceitar? ¿ diz Teresa.

Requisitar ao governo brasileiro formalmente a condição de refugiado é o caminho mais rápido e eficaz para adquirir direitos como a carteira de trabalho. Mas, por desinformação, esconder a condição de refugiado tem ajudado os colombianos em situações do dia-a-dia, como se relacionar com vizinhos ou requisitar serviços, por exemplo. Rosa e Natália, ambas de 37 anos, só conseguiram alugar uma casa de fundos num bairro pobre da periferia de Manaus, por R$200 mensais, depois que omitiram a carteira dada pelo governo brasileiro, que revela sua situação.

¿ Infelizmente, as pessoas não entendem o que é o refugiado. Se pudesse escolher, ele continuaria em seu país. Mas o estigma que carrega o colombiano está muito enraizado ¿ afirma o arcebispo de Manaus, dom Luiz Soares Vieira, que coordena a Pastoral do Migrante, uma das poucas instituições que acompanham os refugiados de guerra, apoiados pela ONU.

Para os refugiados que permanecem clandestinos, a situação é ainda pior. Muitos são explorados e trabalham quase de graça. Submetem-se aos abusos pelo pavor de serem denunciados e acabarem deportados. A maioria engrossa o enxame de vendedores ambulantes do caótico Centro de Manaus. Outros não resistem à tentação do dinheiro fácil, aceitam os insistentes convites para transportar drogas pelos rios da Amazônia (rota internacional do narcotráfico) e terminam presos.

A rotina dura em Manaus tem provocado um fenômeno, ainda residual, que remete à migração de nordestinos para as grandes cidades brasileiras nas décadas de 60 e 70. Embora não haja estatísticas sobre esses deslocamentos, as pastorais do migrante já registram casos de refugiados colombianos que deixaram a capital amazonense rumo a Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, na esperança de encontrar emprego.