Título: Proteção aos dois lados da guerra
Autor: Werneck, Antônio e Amora, Dimmi
Fonte: O Globo, 18/12/2006, Rio, p. 10

Policiais ligados a Lins cobrariam segurança dos grupos que disputam controle dos caça-níqueis

Ogrupo de policiais supostamente chefiados pelo delegado e deputado estadual Álvaro Lins ¿ que foi chefe de Polícia Civil dos dois governos Garotinho ¿ dava segurança tanto para a quadrilha do contraventor Rogério Andrade quanto para a de Fernando Iggnácio. A revelação consta da investigação da Operação Gladiador, da Polícia Federal. Com isso, os acusados conseguiam ter o controle sobre todas as atividades da máfia dos caça-níqueis. A propina paga pela proteção chegaria às delegacias semanalmente e seria entregue por emissários dos dois bicheiros a inspetores de polícia ligados a Lins. Em média, os valores semanais eram de R$3 mil por delegacia, mas os agentes federais identificaram remessas de até R$5 mil.

Com um dos presos, o policial civil Paulo César Oliveira, a PF apreendeu anotações contábeis do pagamento de propinas a várias delegacias, entre elas a 33ª DP (Realengo) e a 34ªDP (Bangu), região onde se concentra a disputa, que já resultou em mais de 50 mortes, pelo controle dos caça-níqueis. Para manter o equilíbrio de forças na região, os dois grupos recebiam tratamento igual.

O delegado federal Alessandro Moretti, coordenador-geral das investigações, também encontrou indícios suficientes da participação do coronel Celso Lacerda Nogueira, ex-comandante do 14º BPM (Bangu), na máfia dos caça-níqueis. A PF tem provas de que ele recebeu propina do bicheiro Fernando Iggnácio, durante um jantar no Royal Grill, num shopping na Barra da Tijuca.

Bicheiro controlaria caixa mesmo preso

Os contraventores também teriam privilégios na prisão. Segundo agentes federais, escutas mostraram que Iggnácio, genro do bicheiro Castor de Andrade, troca e-mails com o seu contador Carlos Henrique de Jesus. Mesmo preso, o bicheiro não abandonou os negócios. Os investigadores agora sabem que ele possui 25 mil máquinas espalhadas pela Zona Oeste do Rio. O faturamento chegaria a R$6 milhões por mês.

Há dois meses, o contraventor está preso na carceragem da Polinter em Neves, São Gonçalo. Os policiais federais que investigaram por sete meses a quadrilha dele e a de Rogério Andrade comentam que é como se Iggnácio estivesse em liberdade. De acordo com os investigadores, ele tem um notebook em sua cela.

Todos os dias, Iggnácio fechava o caixa com o contador Carlos Henrique de Jesus. Pelas conversas dos dois, foi possível descobrir que o ganho diário varia entre R$200 mil e R$270 mil. O contador foi preso na Operação Gladiador. Ulisses Rezende, outro contador do bando, está foragido. Os policiais cumpriram mandados de busca e apreensão nos escritórios da quadrilha e agora analisam a documentação.

A Corregedoria da Polícia Civil abre hoje procedimento para investigar os policiais acusados, segundo o corregedor, delegado Ricardo Martins. De acordo com ele, Álvaro Lins poderá ser investigado, se não for beneficiado por foro privilegiado por ter sido eleito deputado estadual. A Corregedoria da Polícia Militar também vai investigar os PMs acusados de ligação com a máfia dos caça-níqueis e com o tráfico (alvo de outra operação da PF, batizada de Tingüi).

Martins tentará obter uma cópia do inquérito da Operação Gladiador, onde são citados os inspetores Hélio Machado da Conceição, o Helinho, Fábio Menezes de Leão, o Fabinho, e Jorge Luis Fernandes, o Jorginho, que tiveram a prisão decretada. O inquérito cita ainda Rogério Augusto Marques de Brito, o Rogerinho.

¿ Embora a PF tenha criado celeuma em torno do Álvaro Lins, a Justiça não aceitou (a denúncia) porque não havia provas suficientes. De qualquer maneira, vamos apurar com rigor¿ disse Martins.

Nas investigações da PF para a Gladiador, além do comandante Celso Nogueira, aparecem outros dois PMs. Na Tingüi, 78 PMs foram presos. De acordo com o corregedor da PM, coronel Ricardo Paul, os processos disciplinares começam hoje.

No governo do estado, o clima é de constrangimento, já que Álvaro Lins foi chefe de Polícia de Anthony Garotinho e Rosinha. O secretário de Comunicação, Ricardo Bruno, disse que os supostos crimes atribuídos a Lins nada têm a ver com a administração estadual.