Título: Guerrilha recruta adolescentes brasileiros na fronteira
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 19/12/2006, O País, p. 10

Jovens são seduzidos com promessas de dinheiro pelas Farc, que montam bases no lado brasileiro da Amazônia

LETÍCIA (Colômbia), TABATINGA (AM) e MANAUS (AM). Responsáveis por ações violentas que impulsionaram o fluxo de refugiados para o Brasil, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) realizaram incursões este ano em território brasileiro. Mantidas sob sigilo, algumas ações resultaram no recrutamento de jovens brasileiros para os quadros do exército do grupo de extrema esquerda. A captura de adolescentes, tática adotada em massa pela Guerrilha, é uma das principais causas da migração de colombianos para o Brasil, como revelaram reportagens publicadas pelo GLOBO desde domingo.

Apesar das incursões pontuais, as Farc não têm o controle de qualquer região no lado brasileiro da fronteira. As operações bem sucedidas da Polícia Federal fizeram com que a organização evitasse o confronto. Mas as autoridades brasileiras estão cada vez mais preocupadas com o aumento da repressão do governo colombiano à Guerrilha, que ano a ano tem empurrado as bases das Farc para perto da fronteira com o Brasil. Pior: apesar dos esforços, a PF não está preparada para resistir a uma investida da Guerrilha. Tem hoje 54 agentes para vigiar 1.644 quilômetros de fronteira com a Colômbia - um agente para cada 30 quilômetros.

Fontes militares e pesquisadores dedicados à fronteira brasileira na Amazônia registraram o recrutamento de adolescentes em pelo menos três municípios: Santo Antônio de Içá e Atalaia do Norte (ambos ao sul da fronteira) e São Gabriel da Cachoeira (ao norte). O assédio aos jovens em São Gabriel foi confirmado pelo coordenador de Operações Especiais de Fronteiras da Polícia Federal (Coesf), Mauro Spósito. Ele diz, no entanto, que os adolescentes não foram forçados a se juntar às Farc, mas sim seduzidos pelo dinheiro oferecido pela organização:

- Foram seduzidos e, pelo que sabemos, as Farc não pagam o que prometem. Mas há brasileiros na Guerrilha. Sabemos de casos de presos brasileiros na Colômbia acusados de pertencer a organizações como essa.

Em São Gabriel da Cachoeira, há notícias de barcos do Exército brasileiro interceptados pelas Farc para o roubo de armas. O mesmo ocorreu com embarcações da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) que levavam remédios para tribos índígenas. O município de Santo Antônio de Içá, com cerca de 30 mil habitantes, foi invadido três vezes no primeiro semestre desse ano, segundo relatos colhidos por pesquisadores da Universidade Federal da Amazônia (Ufam).

- As Farc invadiram o município e impuseram um toque de recolher. Queriam resgatar prisioneiros da facção que estavam seqüestrados e escaparam. Foram para o Brasil tentar refúgio - contou um pesquisador, que pediu para não ser identificado.

As Farc têm uma relação comercial intensa com as cidades fronteiriças. Esses lugarejos abastecem as bases da organização mais próximas da divisa com alimentos e remédios. As instalações são postos de refino de cocaína em plena selva. Apesar de a PF ter apreendido este ano 1,5 tonelada da droga, integrantes da corporação admitem que a segurança da fronteira é mantida às custas do mito propagado por mega-operações.

- Hoje, assustamos mais do que trabalhamos efetivamente. É muito pouca gente - contou um agente que atua em Tabatinga e pediu para não ser identificado.

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