Título: Bolívia promete indenização
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 19/12/2006, Economia, p. 23

Pela primeira vez, governo de Morales fala em ressarcir Petrobras por refinarias

Às vésperas de solicitar formalmente o ingresso da Bolívia no Mercosul, o governo de Evo Morales admitiu ontem - pela primeira vez desde o decreto de nacionalização das reservas de petróleo e gás, em maio - que a Petrobras tem direito a ser indenizada pela transferência do controle das duas refinarias que a empresa brasileira tinha no país vizinho. O Brasil ainda mantém um tom de cautela em relação ao reconhecimento do prejuízo, mas "houve uma evolução importante" nas conversas entre os vizinhos, confirmou o chanceler Celso Amorim.

Depois de se reunir com o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, o ministro boliviano de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, anunciou que as negociações começarão na primeira semana de janeiro e que uma consultoria já foi contratada para estabelecer o valor do ressarcimento:

- Vamos reiniciar as conversas com a Petrobras no começo de janeiro, mas acredito que os valores só serão conhecidos em fevereiro, como resultado do trabalho de uma consultoria contratada por nós.

A volta das negociações em torno das refinarias, localizadas em Santa Cruz de La Sierra, foi o ponto mais importante de uma série de encontros, ontem, no Itamaraty, entre ministros brasileiros e bolivianos - entre eles, Villegas e o chanceler David Choquehuanca. Até recentemente, a Bolívia sustentava que a Petrobras não tinha direito a qualquer tipo de compensação, sob o argumento de que já havia lucrado muito com os empreendimentos, depois de comprá-los, em 1999, da estatal boliviana YPFB, pela "bagatela de US$100 milhões".

Hidrelétricas: Brasil não dá garantias

Morales chegou a sugerir, em tom de brincadeira, que o Brasil doasse as empresas à Bolívia. Agora, sua postura mudou. Em fevereiro, ele estará em Brasília anunciando, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, medidas de cooperação e investimentos entre os países. Espera-se que o tema da indenização também seja resolvido na ocasião.

A Petrobras não deu muita importância à comitiva boliviana que está no Brasil. Segundo fontes, a estatal enviou como representantes funcionários de terceiro escalão. Mas a diretoria da estatal gostou das declarações de que a Bolívia vai contratar uma firma independente para avaliar as refinarias. A Petrobras já fez sua avaliação do patrimônio, que custou US$102 milhões na compra. A companhia fez vários investimentos na modernização das unidades, que estavam em péssimo estado.

Em maio, Morales decretou a nacionalização das reservas de gás e petróleo e determinou que 51% das ações das refinarias fossem transferidos para a YPFB. A polêmica sobre a indenização foi a mais forte reação ao decreto de Morales e a mais difícil de ser resolvida. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, chegou a ameaçar levar o assunto a cortes internacionais, pois a empresa não aceitava ser expropriada.

Petrobras e YPFB já assinaram um novo contrato de exploração de petróleo e gás e têm até abril para chegar a um consenso sobre os preços do gás vendido ao Brasil. Mas só agora o governo boliviano admite retomar as conversas sobre as refinarias, suspensas há mais de seis meses.

- Houve uma evolução importante, que não é definitiva. Há uma disposição nova - disse Amorim.

O preço do gás vendido à Petrobras não foi objeto das discussões de ontem, embora, em entrevista a correspondentes estrangeiros, Villegas tenha dito que seu governo gostaria que o preço saísse dos atuais US$4 por milhão de BTU (unidade térmica britânica) para algo em torno de US$5. Nas conversas, porém, entrou em pauta outra negociação: um contrato entre a YPFB e um consórcio de empresas que enviam gás para Cuiabá.

- O preço está muito baixo, em US$1,09 - disse Villegas.

Apesar das pressões, autoridades brasileiras não deram garantia de que o meio ambiente, especialmente em território boliviano, será preservado na construção de duas hidrelétricas, em território brasileiro, no Rio Madeira: Jirau e Santo Antonio. As usinas são consideradas fundamentais para garantir o abastecimento energético no Brasil a partir de 2010. As obras no Rio Madeira, aliás, foram o principal motivo do encontro. A posição do governo brasileiro pode abrir caminho para mais problemas nas já conturbadas relações entre os países.

- Não podemos atentar contra a natureza - afirmou Choquehuanca.

Mesmo sem resposta definitiva, os ministros presentes fizeram questão de dizer que os países passam agora por uma nova fase. Essa etapa, segundo Amorim, terá como ponto forte o ingresso da Bolívia no Mercosul.

- Nas próximas horas, o presidente da Bolívia enviará uma carta aos presidentes dos países do Mercosul, solicitando seu ingresso, que esperamos que se concretize em 19 de janeiro - disse o chanceler.

COLABOROU Ramona Ordoñez