Título: Despedidas
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 20/12/2006, O País, p. 2

Enquanto os deputados eleitos em outubro eram diplomados ontem nos estados, muitos dos que não voltarão fizeram suas despedidas num plenário rarefeito. Entre os não reeleitos há deputados de trajetória luminosa na Casa, que prestaram bons serviços como especialistas ou deram contribuições importantes como formuladores. Foram vítimas da lógica eleitoral que privilegia as campanhas caras ou ou a ação parlamentar focada no atendimento da demandas da base por cargos e verbas.

Delfim Netto (PMDB), Paulo Delgado (PT), Sergio Miranda (PDT), Thomás Nonô (PFL), Jandira Feghali (PCdoB), Antonio Carlos Biscaia (PT) e Bismarck Maia (PSDB) são alguns dos que não voltam e farão falta à Câmara, num tempo em que, seguindo a tradição, as legislaturas têm piorado. Ao todo, são 244 os deputados que não voltam. A maioria não se reelegeu, uns não concorreram (entre eles, alguns sanguessugas) e outros conquistaram outros cargos eletivos.

Delfim Netto estava há 20 anos na Câmara e era um importante formador de opinião. Ativo nas comissões, discreto no plenário, influenciava seus colegas sempre interessados em sua opinião. Raramente discursava, preferia o cochicho, a conversa amena. Deve ter sido prejudicado pela troca do PP pelo PMDB, mas é certo que fazia campanha de opinião, e esse tipo de campanha já não não dá frutos. Derrotado, decidiu não voltar mais à Câmara, nem para se despedir.

Um dos que se despediu ontem foi Antonio Carlos Biscaia, que fez dois mandatos fortemente associados à defesa da ética. No PT, trombou com os que se envolveram em escândalos, mas estes tiveram melhores resultados eleitorais. A presidência da CPI dos Sanguessugas não lhe deu votos. Levaram a melhor os que fizeram campanhas caras e os que usaram cargos no governo como máquinas eleitorais. Mesmo magoado, ele condenava ontem a campanha difusa, que diz perceber na sociedade contra as instituições, em particular o Congresso e o Judiciário. "Não vamos agora podar a árvore democrática só porque alguns galhos apodreceram".

Sergio Miranda foi durante os últimos 16 anos um dos maiores especialistas em orçamento e contas públicas. Trocou o PCdoB pelo PDT e isso pode tê-lo prejudicado. Mas ele aponta, sobretudo, a distorção no papel do parlamentar.

- O deputado hoje é medido por sua capacidade de alocar verbas e obras, não pela qualidade de sua atuação. Na campanha, querem saber que obra levamos ao município, não de nossos votos e opiniões. Um deputado hoje faz qualquer coisa para atender às bases e assim sobreviver.

Ele acha que a partir de 1995, com as reformas de FH, é que o debate sumiu do Parlamento, prevalecendo a lógica de fazer a maioria e passar o trator sobre o resto. O governo Lula a manteve no primeiro mandato. Agora, diz ele, dá sinais de que pretende fazer um governo de coalizão, compartilhando a agenda legislativa. Vamos ver.

O petista Paulo Delgado está na Câmara desde 1983. Nunca foi líder, nunca foi da Mesa. Quando disputou um cargo, foi punido por seus pares: acabara de aprovar a lei contra os gazeteiros, tornando o comparecimento mínimo obrigatório. Por causa dela, dois deputados foram cassados. Agora, depois de não ter sido reeleito, foi indicado pela base governista para uma vaga de ministro do TCU. Perdeu, mas em campanha visitou mais de 300 gabinetes e diz ter falado com uns 400 deputados. Descobriu um mundo que o chocou.

- Eu, que sempre vivi na esfera da opinião e do debate, desci às profundezas da Câmara. Vi a vida de um deputado como ela é. Vi colega falando simultaneamente em três celulares: atendendo a um prefeito, dando instruções a um assessor numa comissão e tentando marcar uma audiência no governo. Falei com deputados em tribos de índios, no meio da floresta, dentro de hospitais. Muito raramente, achei algum em casa, mesmo no final de semana. São todos escravos do mandato, da necessidade de preservar a elegibilidade. As novas tecnologias, se trouxeram mais transparência, também aumentam a demanda fisiológica que desqualifica o mandato, nos transforma em despachantes de luxo, vereadores federais. Ter sido deputado foi uma graça, valeu muito à pena, a política jamais me será estranha. Mas a vida parlamentar virou loucura, desqualifica o mandato e a política - diz ele.

A loucura talvez ajude a explicar atos insanos como o super-aumento dos próprios salários e outros desatinos. Algo mudou mesmo, e para pior, na vida parlamentar. Entrei para O GLOBO em 1983 para cobrir "notáveis", as grandes figuras do Congresso eleito em 1982, sob os ventos da abertura do regime. Hoje, já não há notáveis. Vivem todos correndo, mendigando em ministérios, sem tempo para o debate nem para a conversa política especulativa. Tudo é interesse na sobrevivência.