Título: STF derruba aumento, e Congresso faz ameaça
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 20/12/2006, O País, p. 3

Deputados e senadores devem rever percentual mas anunciam boicote a reajustes do Judiciário

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem o aumento de 90,7% que deputados e senadores tinham se autoconcedido semana passada. Por unanimidade, os ministros da Corte proibiram a publicação do ato conjunto das Mesas da Câmara e do Senado que equiparara o subsídio dos deputados ao teto do Supremo, de R$24.500, e estabeleceu que o reajuste dos parlamentares só pode ser feito por meio de decreto legislativo aprovado nos plenários da Câmara e do Senado.

Os presidentes das duas Casas e líderes partidários reúnem-se hoje para decidir que valor será levado à votação no plenário. Deve haver um recuo, elevando o subsídio de R$12.800 para cerca de R$16.500, e não mais R$24.500, mas acompanhado de retaliação ao Supremo: não aprovar mais reajuste para o Judiciário até que o subsídio dos parlamentares chegue ao teto de R$24.500.

A decisão do Supremo foi tomada no julgamento de um mandado de segurança proposto anteontem pelos deputados Carlos Sampaio (PSDB-SP), Fernando Gabeira (PV-RJ) e Raul Jungmann (PPS-PE). Embora tivesse a prerrogativa de julgar o caso sozinho, o relator da ação, ministro Ricardo Lewandowski, preferiu levar o assunto ao plenário, devido à sua importância.

Os ministros concordaram que, como foi concedido, o aumento dos parlamentares era uma afronta à Constituição, que condiciona esse tipo de benefício à aprovação dos plenários.

- Cumpre ao Congresso, como colegiado, deliberar sobre os subsídios de deputados e senadores - disse o ministro Marco Aurélio de Mello.

Decreto que embasa aumento não vale

Marco Aurélio, que defendeu que o percentual de reajuste aos parlamentares seja reduzido, lembrou que, de acordo com a Constituição, o teto do funcionalismo público deve ser o valor do salário de ministros do STF, atualmente de R$24.500. Para ele, o subsídio dos deputados e senadores não pode chegar a esse patamar:

- É possível que haja reexame relativamente ao quantitativo. Tem de haver a fixação do subsídio, mas que essa fixação se faça de forma razoável e proporcional, sem generalizar o que é teto pela Constituição, ou seja, o que percebe o ministro do Supremo.

Outros ministros também consideraram inconstitucional a equiparação aos salários dos ministros do STF, como determina o Decreto Legislativo 444, de 2002, no qual se baseou o ato do Congresso para conceder o aumento dos subsídios. Para o STF, esse decreto perdeu validade com a reforma administrativa de 2003.

Os ministros se basearam no artigo 37 da Constituição, inciso 13, que proíbe a "vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público".

Em 1998, a Emenda Constitucional 19, que instituiu a reforma previdenciária, estabeleceu a necessidade de um projeto de lei de iniciativa conjunta dos chefes dos três poderes para fixar o teto do funcionalismo público - ou seja, o salário de ministro do STF. Esse valor serve de parâmetro para todos os vencimentos da administração pública. Como o acordo entre os três poderes sobre o valor nunca foi concluído, o Congresso editou em 2002 o Decreto Legislativo 444, segundo o qual o salário dos parlamentares poderia ser o mesmo de ministro do STF, até que o acordo fosse firmado.

Mas, em 2003, a Emenda Constitucional 41, da reforma administrativa, derrubou a necessidade do projeto de iniciativa conjunta. Bastaria um projeto encaminhado apenas pelo STF para fixar o limite de vencimentos do funcionalismo público. Com isso, o Decreto 444 perdeu a validade jurídica. Portanto, ele não poderia, na visão dos ministros do STF, servir de base para o ato que determinou o aumento para deputados e senadores.

- Esse decreto não existe mais no cenário jurídico - disse o ministro Eros Grau na sessão de ontem.

- Perdeu a eficácia o Decreto Legislativo 444. A partir daí, só há uma fonte normativa possível, que é o decreto legislativo a ser aprovado pelo plenário do Congresso - explicou o ministro Sepúlveda Pertence.

Antes do julgamento do mandado de segurança, os ministros começaram a analisar a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ajuizada na véspera pelo PPS contra o Decreto Legislativo 444. Por 6 votos a 4, os ministros arquivaram o caso antes mesmo do julgamento técnico: como o decreto tinha perdido a validade, o STF não poderia julgar uma ação contra ele.

No entanto, durante a discussão, os ministros já tinham deixado claro que o reajuste de 90,7% era ilegal, ao dizer que o decreto, por não ter mais valor, não poderia ter embasado o ato conjunto das Mesas da Câmara e do Senado. O Congresso teria, portanto, que encontrar uma nova forma de conceder o aumento salarial. Se publicasse o ato como ele foi decidido quinta-feira passada, com base no Decreto Legislativo 444, deixaria aberta a possibilidade de o STF derrubar o reajuste diante do julgamento de uma eventual ação proposta contra a medida.

Marco Aurélio negou que o resultado do julgamento pudesse causar atrito entre o STF e o Congresso:

- Está de parabéns o estado democrático de direito. As instituições estão funcionando. Não houve choque entre o Judiciário e o Legislativo.

O ministro esclareceu que não existe prazo para o Congresso fixar o subsídio dos parlamentares. Segundo Marco Aurélio, isso pode ser feito a qualquer tempo, inclusive após o início da legislatura de 2007. Mas esse ponto também é polêmico: muitos parlamentares consideram que é preciso aprovar na legislatura anterior.

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Protestos por toda parte

Estudantes e trabalhadores ameaçaram invadir prédio do STF

BRASÍLIA e SÃO PAULO. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) foi cercada de forte pressão popular, com estudantes e trabalhadores protestando, em frente ao prédio da corte e do Congresso, contra o aumento de mais de 90% que deputados e senadores se concederam. Com apitos e bandeiras, manifestantes ameaçaram invadir o prédio do STF quando os ministros estavam julgando as ações contra o aumento dos parlamentares.

Antes de ir ao STF, os manifestantes protestaram na frente do Congresso. Invadiram o espelho d'água, deram as costas para os seguranças do Congresso - que tiveram reforço - e abaixaram as calças. Depois seguiram para o Ministério da Justiça. Deitaram-se na pista principal, interrompendo o trânsito por alguns minutos.

A multidão atravessou correndo a Praça dos Três Poderes em direção ao STF quando soube que o tema estava sendo julgado naquele momento. Os seguranças da corte se uniram aos policiais militares e civis para conter os ânimos.

- Eles vão invadir o Supremo! - gritou um dos seguranças, fechando rapidamente a porta de vidro que dá acesso ao plenário.

Depois do susto inicial, o grupo foi mantido à distância. As faixas estampavam dizeres como "Está na hora de o povo fechar o Congresso". Uma cruz com a frase "Aqui jaz o Brasil" também era mostrada pelo grupo. Em poucos minutos, o número de policiais foi se multiplicando e, acuada, a multidão se viu obrigada a seguir em direção ao Congresso.

Também em São Paulo houve protestos. Dois manifestantes vestidos de Papai Noel mostravam ontem, no Centro da capital, a desigualdade entre o aumento de 90,7% dos deputados e senadores e o reajuste de 8% do salário mínimo. Um deles, representando o salário dos parlamentares, tinha 1,94 metro e 145 quilos, e o outro, o dos trabalhadores, tinha 1,50 metro e 50 quilos.

- Só o aumento que os deputados e senadores querem daria R$10 a mais no salário mínimo - disse o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, entidade que organizou a manifestação.

Durante o protesto, foram colhidas assinaturas para o abaixo-assinado que a CUT vai encaminhar contra o aumento dos parlamentares que "incentiva o achincalhamento das instituições democráticas".