Título: Itagiba: Rosinha sabia de acusações a Álvaro Lins
Autor: Werneck, Antonio e Vasconcellos, Fábio
Fonte: O Globo, 20/12/2006, Rio, p. 15

Governadora diz que não afastou o então chefe de Polícia porque ele sairia logo do cargo para candidatar-se a deputado estadual

O ex-secretário de Segurança e deputado federal eleito Marcelo Itagiba disse ontem que informou verbalmente à governadora Rosinha Garotinho que o então chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins, e outros policiais ligados a ele estavam sendo investigados por suposto envolvimento com a máfia de caça-níqueis. Itagiba disse que comunicou à governadora em dois momentos distintos: a primeira informação, segundo ele, foi dada quando a Subsecretaria de Inteligência (SSI) passou a investigação para a Polícia Federal, em agosto do ano passado. A outra ocasião foi em dezembro de 2005, quando, além de informar o andamento das investigações, pediu a substituição de Álvaro Lins na Chefia de Polícia Civil por conta de denúncias de que policiais supostamente ligados a ele estariam cobrando propina na Polinter.

Rosinha Garotinho negou ter recebido qualquer informação de Marcelo Itagiba sobre o envolvimento de Álvaro Lins com caça-níqueis. Ontem à noite, a governadora falou novamente com o ex-secretário por telefone. Segundo sua assessoria, Itagiba teria negado ter conversado com Rosinha sobre a relação do ex-chefe de polícia com jogos de azar. No entanto, Itagiba afirmou ao GLOBO, em entrevista gravada, que contou a história para a governadora há mais de um ano, quando as denúncias seriam enviadas à Polícia Federal.

- Comentei na época de encaminhar o material para a investigação da Polícia Federal, porque essa era minha obrigação, de informar à governadora. E quando pedi a substituição do doutor Álvaro Lins da Chefia de Polícia. Ela decidiu que era melhor aguardar o fim das investigações para saber se havia correlação entre as denúncias anônimas e os fatos - informou Marcelo Itagiba.

Rosinha confirma pedido de Itagiba

Rosinha Garotinho confirmou, por sua assessoria, ter recebido o pedido de Itagiba para afastar Álvaro Lins em dezembro de 2005 devido à denúncias de que policiais supostamente ligados ao ex-chefe de Polícia estariam cobrando propina na Polinter. A exoneração de Lins, porém, não ocorreu porque não havia provas do envolvimento do delegado com o esquema; e, além disso, ele sairia automaticamente do governo no início deste ano, já que tinha intenção de concorrer a uma cadeira na Alerj. A governadora disse ainda que determinou outras medidas em relação às denúncias. A primeira delas foi a exoneração da direção da Polinter; e, posteriormente, o fechamento da unidade. Rosinha afirmou ter determinado a Itagiba que redobrasse a atenção sobre os supostos pedidos de propina por policiais. O Ministério Público, no entanto, pediu o arquivamento do processo.

Durante todo o período de investigação sobre o suposto envolvimento do deputado estadual eleito Álvaro Lins e policiais ligados a ele com a máfia dos caça-níqueis, as quadrilhas continuaram agindo normalmente. Nesse período, pelo menos 20 pessoas foram mortas. Perguntado por que a polícia do estado não coagiu a atividade das máfias, Marcelo Itagiba respondeu:

- Todas as medidas eu tomei. Determinei a apreensão de todas as máquinas. Pedi à Draco que acompanhasse tudo. Firmamos convênio entre a polícia e o Ministério Público para trabalhar nas investigações. Infelizmente, as máquinas foram liberadas por liminares expedidas pela justiça. Esses chefes da máfia já estiveram presos e foram libertados. E voltaram novamente a ser presos.

Marcelo Itagiba ressaltou que a Subsecretaria de Inteligência investigou o suposto envolvimento de Álvaro Lins e outros policiais com a máfia dos caça-níqueis até onde pôde:

- Todo crime é importante e deve ser apurado. A investigação não foi para a PF em função de ser apenas contrabando. Existia evasão de divisas, entre outros crimes. A melhor forma de apurar é de forma isenta. E era importante enviar para a PF para que não houvesse vazamento de informações. A SSI chegou num ponto da investigação em que era necessário pedir a quebra de sigilos. Se fizéssemos pela polícia estadual, era praticamente certo o vazamento.

O ex-secretário de Segurança salientou que ainda não há provas contundentes contra Álvaro Lins, mas afirmou sua decepção caso se confirmem as suspeitas:

- Se os fatos forem confirmados, com certeza será uma grande decepção. Sou policial de carreira e os fatos não podem ser confundidos. Polícia é polícia, bandido é bandido.

Ontem, o ex-secretário de Segurança apresentou ofícios enviados a várias autoridades, entre elas o procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira; o chefe de Polícia Civil, Ricardo Hallak; e o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Hudson Aguiar, informando sobre a necessidade de uma ação contundente para reprimir o funcionamento ilegal das máquinas caças-níqueis.

Coronel temia vazamento de investigação na polícia

O coronel Romeu Antônio Ferreira, que comandava a Subsecretaria de Inteligência (SSI) na época em que o dossiê foi encaminhado à PF, disse ontem que todas as investigações envolvendo máquinas caça-níqueis realizadas por ele "foram enviadas à PF em comum acordo com o então secretário de Segurança, Marcelo Itagiba". Romeu foi localizado ontem pelo GLOBO em uma cidade da Região dos Lagos:

- A decisão de enviar o dossiê à PF foi tomada para garantir a segurança das denúncias nele contidas e preservar o sigilo das investigações. Uma investigação envolvendo o chefe de Polícia e policiais civis do Rio tinha grande chance de vazar na esfera estadual - disse.

Como O GLOBO noticiou em sua edição de ontem, a Secretaria de Segurança foi informada há pelo menos dois anos que um grupo de policiais civis chefiados por Álvaro Lins cobrava propinas e dava proteção aos contraventores Rogério Andrade e Fernando Iggnácio. As investigações estavam em relatórios entregues pela SSI ao então secretário de Segurança, Marcelo Itagiba, deputado federal eleito (PMDB). Como as investigações não foram adiante, o órgão de inteligência enviou um dossiê à PF, que deu início então à Operação Gladiador.

Romeu deixou o cargo de Subsecretário de Inteligência em agosto deste ano, depois de pedir exoneração. Sua decisão foi um protesto contra o esvaziamento e o corte de verbas que o governo do estado impôs à Secretaria de Segurança e principalmente à área de inteligência. Na época, o secretário Roberto Precioso chegou a cobrar explicações do coronel sobre um suposto vazamento de uma investigação sigilosa da secretaria para chegar aos responsáveis pela máfia dos caça-níqueis que atua nas zonas Oeste e Norte do Rio.

Omissão e falta de ética

Especialistas criticam estado por não investigar Álvaro

Especialistas em segurança pública criticaram a decisão do governo do estado de transferir a investigação sobre o grupo do delegado Álvaro Lins para a Polícia Federal. O cientista político João Trajano, professor da Uerj, afirma que caberia ao estado uma posição mais rígida em relação às acusações. Para ele, o caso pode ser diagnosticado como omissão, ineficiência, tolerância com os maus profissionais ou até conivência. Já para o antropólogo Roberto Kant de Lima, coordenador executivo do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (Nufep) da UFF, identifica no episódio mais um caso de falta de ética na estrutura do estado.

Com a decisão tomada pelo então secretário de Segurança, Marcelo Itagiba, a máfia dos caça-níqueis atuou livremente por quase dois anos. A guerra travada na Zona Oeste pelas quadrilhas dos contraventores Rogério Andrade e Fernando Iggnácio se agravou, provocando cerca de 20 mortes desde então. Em junho do ano passado, por exemplo, o ex-presidente da Mocidade Independente de Padre Miguel Jorge Pedro Rodrigues e o motorista Eliseu Santana Alves foram mortos a tiros em Bangu, bairro onde atuam as duas quadrilhas. Segundo a polícia, as vítimas seriam ligadas ao bando de Rogério Andrade.

Sem enfrentar a repressão do estado, as máquinas de caça-níqueis se espalharam por bares e bingos, aumentando o faturamento dos bicheiros e o valor das propinas. Sob a proteção de dezenas de policiais, os dois chefes da máfia - Rogério e Iggnácio - puderam comandar os negócios em liberdade, apesar de estarem com a prisão decretada. Em janeiro deste ano, a Polícia Civil descobriu que um major e um cabo lotados no Hospital da PM em Niterói tinham recebido R$2,5 milhões da máfia dos caça-níqueis. O dinheiro foi depositado em contas dos policiais.