Título: Mantega admite alterar ganhos da poupança
Autor: Alvarez, Regina e Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 20/12/2006, Economia, p. 31

Ministro diz que, com queda da Selic, remuneração tornou-se excessiva, mas reconhece que é preciso delicadeza

SÃO PAULO. Duas semanas depois de rejeitar a possibilidade de mudanças na remuneração das cadernetas de poupança, como vêm defendendo os bancos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já admite alterar a fórmula que define a rentabilidade da mais popular das aplicações financeiras do país. A poupança hoje paga Taxa Referencial (TR), que está em 2,1%, mais juros de 6% ao ano, resultando em uma rentabilidade anual de 8%.

Como a TR não cai na mesma proporção da taxa básica de juros (a Selic), a poupança torna-se cada vez mais atraente em relação aos fundos de renda fixa, lastreados em títulos públicos, cuja remuneração tem como referência a Selic.

- De fato, na medida em que as taxas de juros estão caindo e a inflação está diminuindo, essa remuneração da poupança tornou-se, talvez, excessiva - disse Mantega, em entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, na segunda-feira à noite, em São Paulo.

O ministro destacou que a caderneta "tornou-se um totem da economia brasileira". Por isso, reconheceu, modificar as regras da aplicação não será tarefa simples:

- É uma das instituições mais duradouras e mais seguras (do mercado). Então, precisa de muita delicadeza para você mexer com isso.

Perguntado se o assunto já teria sido apresentado para a avaliação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Mantega disse que ainda não. E deu a entender que isso não deve demorar a acontecer:

- É um problema que teremos de enfrentar em breve.

Anefac vê benefício para quem financia imóvel

O vice-presidente da Anefac, associação que reúne executivos de finanças e contabilidade, Miguel de Oliveira, observa que, se de um lado uma mudança na TR afetará o ganho do aplicador da poupança, por outro reduzirá o custo de financiamento de quem compra um imóvel. Sobre a concorrência da poupança com os fundos, Oliveira não vê problemas a curto prazo:

- A poupança é uma opção de aplicação complementar aos fundos, e só compete mesmo com fundos que cobram taxas de administração muito altas.

O ministro revelou ainda, durante a entrevista, que, junto com o pacote de desoneração e incentivos aos investimentos a ser anunciado amanhã, o governo lançará uma proposta de reforma tributária "mais ousada" que a unificação do ICMS, que já tramita no Congresso. Será apresentado um projeto propondo a unificação de tributos como IPI, ICMS, PIS/Cofins e ISS, no chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

- Vamos propor um IVA nacional. Não é uma proposta para ser implantada imediatamente, mas uma proposta para colocar a discussão em campo - disse o ministro.

Modelo do segundo mandato é 'social desenvolvimentista'

Mantega insistiu que a "economia caminha para um patamar de crescimento maior". E atribuiu a frustração de suas projeções para a expansão do PIB este ano, de até 5%, à defasagem entre o corte dos juros e seus efeitos sobre a economia, além do aumento das importações, estimulado pelo dólar fraco ante o real:

- A economia só não reagiu ainda de forma adequada porque reflete, com defasagem, a queda dos juros.

Ao defender os efeitos benéficos dos programas sociais do governo no combate à miséria, que, junto com os ajustes econômicos, melhorou o padrão de vida dos brasileiros - "a maioria da população já usufrui do espetáculo do crescimento", afirmou -, Mantega deixou escapar a medida da frustração do governo diante de mais uma taxa pífia de crescimento do PIB este ano.

- Tinha um general-presidente que, nos anos 1970 (quando o PIB crescia 7%, ou mais), dizia "a economia vai bem, mas o povo vai mal". Hoje, podemos dizer que a economia vai mal, mas o povo vai bem - disse o ministro, referindo-se a frase atribuída a Médici. - Mas a tendência é caminharmos para uma convergência, com o povo e a economia indo bem.

Mantega definiu como "social desenvolvimentista" o modelo econômico a ser perseguido no segundo mandato de Lula.

- O presidente quis um crescimento gradual, de forma segura, sem a pirotecnia do passado e riscos de retrocesso - afirmou. - Agora a economia caminha para um patamar maior de crescimento.

"Tinha um general presidente (Médici) que nos anos 1970 dizia 'a economia vai bem, mas o povo vai mal'. Hoje, podemos dizer que 'a economia vai mal, mas o povo vai bem"

"A caderneta tornou-se um totem. Então, precisa de muita delicadeza para mexer"

GUIDO MANTEGA

Ministro da Fazenda