Título: Controle de câmbio na Tailândia assusta mercado
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Fonte: O Globo, 20/12/2006, Economia, p. 35

Pacote, que inclui taxação de aplicações, afugenta investidores estrangeiros e afeta bolsas em todo o mundo

BANGCOC (Tailândia). Quase dez anos após ser palco do início da crise asiática, que afetou todo o mundo, a Tailândia voltou a preocupar investidores. O governo militar surpreendeu ao anunciar um pacote de medidas para conter a valorização da moeda nacional, o baht, que acumula alta de 16% frente ao dólar desde o início do ano. As medidas incluem uma espécie de quarentena - os capitais externos não-produtivos serão taxados em 10% caso deixem o país em menos de um ano - e representam, na prática, um mecanismo de controle cambial.

O resultado foi imediato. Investidores correram para vender cerca de US$700 milhões em ações, e a Bolsa de Bangcoc sofreu a maior queda em 16 anos: 14,8%. Durante o dia, chegou a despencar 19%, mas recuperou parte das perdas depois que o governo tailandês decidiu rever parte das medidas. O susto dos investidores contaminou os mercados mundiais, derrubando bolsas no resto da Ásia, em outros mercados emergentes e até na Europa, onde Londres caiu 0,7%, Paris recuou 0,82% e Frankfurt, 0,66%.

O pacote foi anunciada de surpresa e aumentou o clima de incerteza causado pelas condições políticas do país, há três meses governado por uma junta militar, após o golpe que derrubou o primeiro-ministro Thaksin Shinawatra. Por essa razão, os investidores acreditam que, mesmo com o recuo do governo, o clima de insegurança geral afetará o fluxo de investimentos no país.

Bolsa tailandesa paralisou pregão pela primeira vez

Desde a invasão do Kuwait por Saddam Hussein, em agosto de 1990, as ações tailandesas não sofriam tamanha desvalorização. A bolsa suspendeu os negócios pela primeira vez em seus 31 anos de história, depois que a queda de seu principal índice superou 10%. Com a reabertura do pregão, no entanto, o recuo se aprofundou.

A queda estava em 11,7% quando o presidente da bolsa, Patareeya Benjapolchi, apelou publicamente ao Banco Central que suspendesse o pacote. Mas a titular da autoridade monetária, Tarisa Watanagase - primeira mulher na direção da instituição e no cargo há menos de três meses -, negou-se a rever as medidas, consideradas draconianas por analistas.

Por fim, com o mercado financeiro em queda livre, o ministro de Finanças da Tailândia, Pridiyathorn Devakula, acabou cedendo e anunciando que os investimentos em ações seriam excluídos das restrições. O recuo aliviou um pouco a tensão geral, mas foi visto por muitos com ceticismo.

- Isso é uma piada, não? Uma farsa total - disse um banqueiro estrangeiro em Bangcoc. - As coisas vão melhorar amanhã, mas não retornarão ao ponto em que estavam, porque os riscos obviamente mudaram. Isso deixará um sabor desagradável na boca das pessoas por muito, muito tempo.

A onda de vendas deflagrou quedas entre 2% e 3% nos mercados de Kuala Lumpur, Cingapura e Jacarta. Até mesmo a Bolsa de Bombaim, que começou o dia festejando o anúncio de crescimento acima de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) da Índia, acabou sendo afetada.

Estrangeiros investiram US$300 milhões em 2006

O baht, a moeda mais valorizada na Ásia este ano, caiu 2% após atingir o nível mais alto em nove anos e meio na véspera. A reação nos mercados de bônus também foi implacável, com investidores procurando uma saída. Este ano, até o dia anterior ao pacote, estrangeiros tinham injetado US$300 milhões líquidos no mercado de ações da Tailândia.

O BC tentou justificar o pacote informando que os fluxos de capitais de curto prazo saltaram para cerca de US$950 milhões na primeira semana de dezembro, ante cerca de US$300 milhões por semana em novembro. A autoridade monetária pediu ainda aos estrangeiros para não entrarem em pânico.

O temor dos investidores é que outros emergentes adotem controles cambiais. A desvalorização do dólar é um fenômeno internacional - o real, por exemplo, subiu 7,4% este ano - e reduz a competitividade das exportações destes países.

O Fio da meada

Epicentro da crise asiática

As medidas cambiais na Tailândia evocaram um terremoto financeiro que, em 2007, completa dez anos. Em julho de 1997, em meio a um ataque especulativo, o Banco Central tailandês jogou a toalha e desvalorizou a moeda nacional, o baht. Foi o epicentro de uma série de tremores nos mercados, que arrastaram primeiro os então chamados tigres asiáticos e depois, com a quebra da Bolsa de Hong Kong, em outubro, todo o planeta.

Na ocasião, quase todos os países emergentes adotavam mecanismos de controle cambial, ou seja, as moedas locais tinham cotações frente ao dólar fixadas pelo BC de modo arbitrário. Na maioria dos casos, o câmbio era sobrevalorizado, numa estratégia para conter a inflação. Grandes fundos de investimento passaram, então, a apostar contra essas moedas, provocando uma onda de desvalorizações na Ásia, o que afetou diretamente os preços das ações de empresas destes países.

Foi a primeira crise financeira global em tempo real, com desdobramentos nos anos seguintes. O efeito-dominó derrubaria Rússia, Brasil e Argentina, e, em 2000, estourou a bolha da internet.