Título: Final melancólico
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 21/12/2006, O Globo, p. 2

A reação das ruas e a reprimenda do STF desnortearam os congressistas, semearam a discórdia e até puseram em oposição as duas Casas, com o Senado empurrando a batata quente para a Câmara. Do limão, a próxima legislatura pode fazer uma limonada se enfrentar com seriedade as distorções sobre ganhos e salários que existem nos Três Poderes, não apenas no Congresso.

Deixando para fevereiro a decisão sobre o valor do subsídio, bem como as propostas de cortar na carne - como o fim da verba indenizatória, do 14º e do 15º salários - a Câmara fez a mais forte autocrítica que um poder político pode fazer diante dos que deve representar. Sai do processo em frangalhos, com os líderes divididos e os partidos devidamente rachados. Não viesse agora o recesso, veríamos um sangrento acerto de contas nos próximos dias, com a busca de culpados pelos erros que levaram a este episódio tão desgastante.

O primeiro erro foi político mesmo, o de subestimar o nível de irritação da sociedade. As frustrações represadas explodiram na censura ao super-aumento dos subsídios. O segundo foi jurídico, e foi cometido pela Mesa, sob a pressão do baixo clero, ao decidir que o aumento poderia vir por ato normativo, dispensada a votação em plenário. Tanto Renan Calheiros como Aldo Rebelo diziam, na noite de anteontem, que não ignoravam esta necessidade, tanto que não chegaram a assinar nem publicar nenhum ato da Mesa concedendo o reajuste de 90,7%. Mas em nenhum momento falaram disso, antes da manifestação do STF. Por isso, o deputado Miro Teixeira, que pedia prioridade para a votação do fim da verba indenizatória, dizia ontem que a Casa perdeu a guerra da comunicação. Dizia ele:

- Não que a imprensa tenha sido cruel. Ela refletiu a imperfeição de nossa decisão. Mas esta crise pode vir a ser positiva. Podemos agora nos debruçar sobre distorções destinadas a produzir outras crises.

De fato, não foi devidamente divulgado, embora Aldo tenha falado nisso anteontem, que o reajuste para R$24.500 estaria condicionado ao fim do 13º e do 14º salários, bem como da verba indenizatória. É possível que, se o aumento tivesse colado, e a onda de indignação se dissipasse com as festas natalinas, ficaria por isso mesmo, sem qualquer corte na carne. Mas se havia esta intenção, foi mal comunicada.

Se a próxima legislatura quiser dar a volta por cima, retomará este debate para além do valor do subsídio e do corte de mordomias. A questão do Judiciário deve ser enfrentada, e não em clima de retaliação, pondera Rodrigo Maia. É grande a revolta com o Judiciário, que pôs o teto lá em cima e barrou a equalização. Ontem o senador ACM associou-se ao senador petista Tião Viana e ambos puseram em tramitação a emenda que fixa o salário dos congressistas como teto dos Três Poderes. Os gordos salários do Judiciário teriam, por ela, que ser reduzidos ou congelados até a equalização.

Em fevereiro, passado o calor da contenda, a questão do Judiciário e do teto único para os três poderes poderá ser enfrentada com a frieza que exige. Está aí a ministra Ellen Gracie pedindo jetom para os membros do CNJ, estourando ainda mais o teto que os ministros do STF já têm, como lembrava ontem o líder petista Henrique Fontana. Não houve grita nas ruas. E não são apenas os ministros dos tribunais superiores que ganham muito mais que deputados, senadores e ministros. São os desembargadores e juízes de todo o país. Um juiz hoje começa ganhando R$22 mil. No Congresso, aposentados em outras funções públicas somam estes proventos com os subsídios. Seriam cerca de 150. Isso só acaba quando houver teto, como lembra Miro a toda hora. No Executivo, ministros ganham R$12 mil brutos mas servidores acumulam aposentadorias, gratificações e salários. Isso tem que acabar. No setor público, quem ganhar de mais de uma fonte deve, no mínimo, estar sujeito ao teto. Mas tudo isso foi ofuscado pelo foco exclusivo nos ganhos dos congressistas.