Título: Recuo sob pressão
Autor: Lima, Maria e Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 21/12/2006, O País, p. 3

Câmara deixa para o ano que vem decisão sobre aumento de subsídios de deputados

Surpreendidos pela repercussão negativa nas ruas, na Igreja e nos movimentos sociais, deputados e senadores tentaram evitar o desgaste de votar, em plenário, novo percentual de reajuste para seus subsídios nesta legislatura. Envergonhados e pedindo desculpas à sociedade, e sem uma proposta de consenso que pudesse melhorar a imagem do Congresso Nacional, líderes e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), pretendiam, ontem à noite, depois de muito bate-boca, desistir da decisão de elevar os subsídios para o teto de R$24.500 - vetado na véspera pelo Supremo Tribunal Federal - ou mesmo aprovar um reposição inflacionária, que elevaria os atuais R$12.720 para R$16.475.

Um requerimento do líder do PTB, José Múcio Monteiro (PE), representando seis partidos contrários ao aumento, pediu a retirada da matéria da pauta, congelando os subsídios até a próxima legislatura. Até as 21h30m o requerimento não havia sido votado.

No início da tarde de ontem, sem conseguir consenso entre os líderes, Aldo anunciou a decisão de votar primeiro o fim da verba indenizatória de R$15.000 e do 14º e 15º salários e, em seguida, a proposta de reajuste com base na inflação. Foi uma condição imposta pelo líder do PDT, Miro Teixeira (RJ). Mas líderes de vários partidos entenderam que poderia ser mais uma armadilha, que garantiria o fim de verbas, mas abriria espaço para a aprovação do teto de R$24.500.

Para os líderes, haveria uma brecha para que o próximo presidente ressuscitasse a verba indenizatória por um simples ato da Mesa. Quando na sessão Aldo anunciou a pauta e José Múcio encaminhou o requerimento de retirada de pauta, travou-se um acirrado debate entre os que queriam manter a votação e os que pregavam o adiamento para o ano que vem.

"Mídia foi cruel", diz Miro Teixeira

O requerimento só foi assinado pelos líderes de PTB, PL, PSB, PPS, PP e PMDB. Mas os líderes do PV , Fernando Gabeira (RJ), e do PSOL, Chico Alencar (RJ), também encaminharam a favor do adiamento, mas não queriam parecer que estavam contra o fim da verba indenizatória. Miro ficou isolado.

- O requerimento é para impedir a votação do fim da verba indenizatória. Isso, lá atrás, na reunião que definiu o teto, foi colocado em termos de que o deputado ia pôr dinheiro no bolso, mas ali não se via deputados com cifrões nos olhos. A mídia foi cruel. Essa é uma decisão institucional que precisamos enfrentar - defendeu Miro, pedindo a votação nominal para expor o voto sim como um veto ao fim da verba indenizatória.

Em seguida, José Múcio foi aplaudido por um plenário lotado, ao defender um pedido de desculpas público.

- Não tenho vergonha de pedir desculpas quando erro ou de recomeçar para consertar o erro. Não podemos corrigir um erro brutal em uma única noite. Ou assumimos nossa culpa e pedimos desculpas por nossa hipocrisia, ou não poderemos mais andar nas ruas ou entrar de cabeça erguida na Igreja. Vamos aumentar como? Erramos, foi inoportuno e a sociedade nos ajudou a corrigir esse enorme erro - discursou José Múcio.

- Quem tem posição contrária, respeitamos; só não respeitamos quem quer dar um golpe de quinta categoria - apoiou Chico Alencar.

Aldo entendeu que Chico estava se referindo a Miro, que teria ligado para o presidente da Câmara, antes da reunião, para propor o fim da verba indenizatória. E saiu em defesa de Miro.

- Acho que o deputado Chico Alencar não desejou fazer de um telefonema um argumento para seu discurso. Na reunião da semana passada, Miro já defendeu o fim da verba indenizatória e liguei para ele para falar da reunião - disse Aldo, tentando pôr panos quentes na rixa entre Chico e Miro. No fim, os líderes do PT e do PFL defenderam o adiamento.

Reajuste vale para mesma legislatura

A Constituição permite que os parlamentares reajustem seus subsídios no mesmo ano em que os novos valores entrarão em vigor. Antes da promulgação da Emenda Constitucional 19, que instituiu a reforma previdenciária, em 1998, era preciso aprovar o valor do subsídio ao fim de cada legislatura para que ele pudesse vigorar somente na legislatura seguinte. Com a emenda, essa exigência sobre o prazo foi retirada da Constituição.

Como não existe mais menção sobre prazo, os aumentos podem ser concedidos aos parlamentares a qualquer momento. O entendimento é unânime. Ontem, o secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, Mozart Vianna, confirmou que a regra é essa. O ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu a mesma explicação:

- Não há mais a cláusula de que a legislatura que finda deve fixar o subsídio que será da legislatura subseqüente. Agora, pode haver a fixação no próprio curso da legislatura, desde que ela ocorra mediante deliberação do Congresso, do colegiado maior do Legislativo - afirmou Marco Aurélio.