Título: Mais meninas no trabalho agrícola
Autor: Almeida, Cássia e Louven, Mariza
Fonte: O Globo, 21/12/2006, Economia, p. 34

Parcela de crianças pobres, até 14 anos, passou para 40% em 2005

POMBOS (PE) e RIO. Mais trabalho infantil e pobreza maior. Em 2005, 5,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam trabalhando, o que fez o trabalho infantil subir de 11,8% para 12,2% da população nessa faixa etária. Nessa alta, as meninas ficaram mais vulneráveis. Sua participação no trabalho agrícola também cresceu: elas são 25,8% dos 2,4 milhões de trabalhadores de 5 a 17 anos, contra 24,5% em 2004. Isso significa 621.411 meninas e jovens na lavoura, uma alta de 50 mil.

Não é difícil constatar em Pernambuco essa realidade captada pela Síntese de Indicadores Sociais, divulgada ontem pelo IBGE. A presença de meninas com idades entre 9 e 15 anos é cada vez mais comum nas casas de farinha. Elas trabalham horas a fio na "limpa" da mandioca, manipulando facões afiados.

Até criança de 9 anos trabalha com mandioca

No município de Pombos, a 64 quilômetros da capital, essa cena é comum. O objetivo é sempre o mesmo: engordar o orçamento familiar. É o que acontece com Renata Maria dos Santos, de 15 anos, que ontem ajudava a mãe Rosilene Maria dos Santos e a avó descascando mandioca para fabricação de farinha. As três trabalhavam em companhia de uma criança ainda mais nova: Rachel, de 9 anos. O trabalho envolve ainda uma tia, Maria José da Silva, de 23 anos, que entrou no serviço ainda menina. Unindo forças, as quatro faturam, por dia, R$16, depois de descascar uma tonelada e meia de mandioca. Daniela Maria da Silva, de 14 anos, afirmou não ver nada demais em alternar o trabalho com a escola. Ela já está de férias e disse estar ajudando a mãe, que saíra para preparar o almoço do pai, lavrador:

- Não sei quanto conseguimos tirar no fim do dia. Minha amiga diz que pode chegar a R$16 se juntar a família toda.

Mas houve melhoras na década, de acordo com Ana Lúcia Saboia, gerente de Indicadores Sociais do IBGE:

- Houve queda expressiva do trabalho infantil no Brasil. A taxa de atividade da população de 10 a 14 anos caiu de 20,4% em 1995 para 11,5% em 2005.

Além do trabalho, as crianças são a parcela mais pobre da população. Os dados divulgados ontem pelo IBGE mostram que 40% das crianças de 0 a 14 anos vivem em famílias com renda domiciliar per capita de meio salário mínimo. E a proporção da pobreza por esse indicador aumentou. Em 2004, eram 36,9%. No Piauí, esse percentual é alarmante. Na população de 0 a 6 anos, 73% estão em famílias com essa pequena renda. No país, quase a metade (44,1%) das crianças dessa faixa vive em famílias com rendimento per capita de meio salário mínimo.

Entre os pequenos agricultores da região agreste de Pernambuco, difícil é encontrar famílias com rendimento igual ou superior a um salário mínimo. Normalmente, a renda per capita não chega nem perto de meio mínimo: 63% das crianças de até 6 anos vivem em família de baixa renda no estado.

'As terras estão nas mãos dos ricos', reclama lavradora

É o que ocorre no sítio Olho D'Água, na casa de Maria Josefa Dionísio, mãe de oito filhos. Ao todo são 11 pessoas morando na sua casa de taipa e paredes rachadas, a dez quilômetros do centro de Pombos, no agreste pernambucano. A família vive do plantio de feijão, milho, abóbora e mandioca, e a renda não chega a R$200 mensais, ou R$18 por pessoa. O marido de Josefa, José Maximiano dos Santos, tenta engordar a renda familiar trabalhando como diarista na região, ganhando entre R$10 e R$15.

- As terras aqui estão nas mãos dos ricos, e a pessoa tem que ganhar a vida na enxada. Tudo que o roçado dá só rende para o consumo da família, mal dá para vender na feira - reclamou Josefa.

Além do dinheiro do trabalho avulso do marido, Josefa recebe R$15 do vale gás e R$25 do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), onde conseguiu cadastrar o filho de 11 anos.

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