Título: Iguais na diferença
Autor: Arsújo Alcione
Fonte: O Globo, 22/12/2006, Opinião, p. 7

Aos 58 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, é pouco conhecida, e a data tem discreta repercussão em relação ao seu significado no processo civilizatório. Não se festejou a plenitude dos Direitos Humanos ¿ estamos longe disso ¿, mas algumas conquistas. Falta-nos o reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa, fonte de todos os valores, independente das diferenças de raça, cor, sexo, religião, opinião, origem social, riqueza, nascimento etc. Não temos a noção de que cada um é único, e somos diferentes, tendo os mesmos direitos: iguais na diferença.

Para um povo alegre e otimista, todo avanço mantém acesa a esperança. E quem tem esperança merece celebrar cantando e dançando. Se a tristeza não assegura a vitória, sejamos alegres na luta. Ao menos, a gente se diverte. E cantar e dançar juntos nos tem trazido avanços.

Alguns de nós caminhamos e cantamos braço a braço nas passeatas contra a ditadura militar ¿- a ditadura se finou. Outros, ombro a ombro, ficaram roucos exigindo Diretas já ¿ a democracia chegou. Tantos de nós, de cara pintada, cantamos e dançamos exigindo o impeachment ¿ o presidente caiu. Vários de nós cantaram e dançaram ao lado do Betinho contra a fome, a miséria e pela vida ¿- hoje é programa de governo. Avançamos, sim! Devagar e não muito, mas avançamos. Há conquistas no combate ao trabalho escravo, às diversas formas de discriminação: racial, sexual, dos deficientes físicos. No combate à violência doméstica, na defesa da criança, adolescente e idoso, no direito dos homossexuais etc. Mas ainda é pouco. Precisamos cantar e dançar mais.

Falta-nos tradição de respeito à diferença ¿ na nossa índole autoritária, quem não é como eu é pior do que eu. Violação e desrespeito vêm de preconceitos ocultos lá onde só a emoção pode tocar ¿ o preconceituoso nem sempre sabe que o é; e, se sabe, jamais admite. A arte aguça a sensibilidade e, agindo na subjetividade, rompe as armaduras, deixando a emoção diluir os preconceitos.

Curador do evento Iguais na Diferença, constatei a realidade dos Direitos Humanos e me convenci de que é essencial que sejam assegurados por lei. As leis existem, mas só punem depois que o direito foi violado; autoridades e ONGs fazem o possível para as difundir, embora o possível fique devendo ao necessário quando se alastra a idéia de que defender os Direitos Humanos é proteger bandidos ¿ início da barbárie. A lei, porém, não é cumprida. Daí que apenas a lei não basta. É preciso educar para o respeito às diferenças, criando a Semana dos Direitos Humanos ¿ estendendo a festa a escolas e universidades, as semanas da Pátria, Meio Ambiente e do Índio mudaram a visão dos jovens.

Universal, a Declaração se propõe acima de nações, ideologias, governos, partidos políticos, sistemas econômicos. Os Direitos Humanos despontam como bandeira de afirmação do cidadão do século XXI, nova utopia essencial à construção do futuro, capaz de criar ideais, construir a justiça e a paz.

ALCIONE ARAÚJO é escritor, dramaturgo e filósofo.