Título: Médico Italiano deixa paciente terminal morrer
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Fonte: O Globo, 22/12/2006, O Mundo, p. 44

Anestesista pode ser preso em caso que fomenta debate sobre eutanásia na Itália

ROMA

Um dos países mais conservadores e religiosos da Europa, a Itália amanheceu ontem profundamente dividida sobre a morte do poeta Piergiorgio Welby, de 60 anos, que esteve no centro do debate sobre a eutanásia no país. Doente terminal que havia perdido uma batalha jurídica pelo direito de se submeter à eutanásia, Welby convenceu um de seus médicos a desligar os aparelhos que o mantinham vivo e morreu, durante a madrugada, em sua casa em Roma. O médico, o anestesista Mario Riccio, pode ser condenado de 10 a 15 anos de prisão, já que a eutanásia é proibida na predominantemente católica Itália e amplamente condenada pelo Vaticano. Segundo especialistas, a morte do poeta obrigará que leis mais claras sobre o tema passem a existir no país.

Luca Volante, líder do Partido Democrata Cristão no Parlamento, pediu ¿a prisão imediata do homem responsável por este homicídio¿. Mas Riccio nega ter cometido infração porque Welby ¿vivia sob insuportável tortura¿, e deixou vários documentos por escrito, expressando o desejo de morrer.

¿ O caso de Welby não foi eutanásia. Apenas cumpri o direito legal do paciente, que se recusou a ser submetido a tratamento ¿ declarou o médico, contando à imprensa que desligou os aparelhos depois de outros profissionais de saúde que acompanhavam Welby terem se recusado a fazê-lo.

A morte do poeta italiano foi acompanhada por sua mulher, familiares e amigos, todos afirmando que ele permaneceu lúcido ¿até o instante de sua morte¿. Riccio aplicou sedativos na veia do paciente, antes de desligar os aparelhos. Welby morreu 40 minutos depois. As últimas palavras do poeta, segundo relataram testemunhas, foram: ¿Obrigado, obrigado, obrigado.¿ A irmã dele, Carla, criticou a Justiça italiana por mantê-lo vivo ¿contra a sua vontade¿.

Piergiorgio Welby ficou paralisado devido a uma distrofia muscular, que o afetou desde os 20 anos de idade, e seu estado de saúde piorou nas últimas semanas. O apelo do poeta italiano pelo direito de morrer desperta um grande debate e representa um marco para a Justiça da Itália. Welby estava ligado a um respirador artificial nos últimos seis meses e era alimentado por um tubo para permanecer vivo. O paciente se comunicava por meio de um computador, que identificava os movimentos de seus olhos.

No sábado, um juiz decidiu que, apesar de Welby ter o direito constitucional de ter desligada a máquina que o mantinha vivo, os médicos eram legalmente obrigados a tentar ressuscitá-lo. Em setembro, Welby chegou a ditar uma carta enviada ao presidente italiano, Giorgio Napolitano, em que pedia permissão para morrer. ¿O que resta para mim não é mais uma vida, senhor presidente¿, escreveu.

Premier pede respeito à morte de Welby

A eutanásia clássica, conhecida como ativa, é legalizada na Holanda, na Bélgica, na Suíça e no estado americano de Oregon, mas permanece ilegal na maior parte do mundo ¿ embora as leis de alguns países, como França e Alemanha, sejam maleáveis caso o paciente expresse de forma consciente o desejo de morrer. Isso, para os contrários à eutanásia, constitui uma ¿variação sobre o mesmo tema¿. Em países como Itália, EUA (fora de Oregon) e Brasil, a prática é proibida e o médico deve fazer de tudo para manter um paciente vivo.

A ministra da Saúde da Itália, Livia Turco, pediu a criação de uma legislação que esclareça exatamente quais medidas são lícitas para manter vivos pacientes terminais. Frente ao enorme debate que o caso gerou, o premier Romando Prodi pediu ¿respeito pela morte de Welby¿.

O Vaticano prega que a vida deve ser protegida desde o início até o seu fim natural, mas não se pronunciou sobre a morte do paciente.

¿ Não sabemos se ele pediu para morrer porque se recusava a receber tratamento ou para iniciar uma batalha política ¿ disse o bispo Ellio Sgreccia, diretor da Academia Pontifícia pela Vida, instituição religiosa italiana, que criticou a decisão do médico.