Título: Tempestade de purificação
Autor: Buarque, Cristovam
Fonte: O Globo, 23/12/2006, Opinião, p. 7

Final de ano é tempo de manifestar desejos. O meu para o próximo ano: uma tempestade de purificação sobre o Brasil. Quebra do corporativismo, sentimento nacional, compromisso público com a eliminação da exclusão social, do trabalho e da prostituição infantil, redução da diferença entre tetos e pisos salariais, limpeza das águas dos rios, combate sério à corrupção e à violência, entendimento da importância da educação no desenvolvimento nacional, descoberta de que, além do imediato, há um futuro a construir. Sobretudo nós, que ocupamos cargos de liderança pública, nos Três Poderes, precisamos de purificação.

Nós, os parlamentares, precisamos sair do corporativismo e do imediatismo com que exercemos nossos cargos, descobrir o compromisso com o Brasil e com o futuro; adquirir sensibilidade para não ofender o público com mensalão, sanguessuga ou aumentos salariais que chocam a opinião pública, tiram legitimidade do nosso trabalho e desmoralizam a democracia.

O Executivo precisa de purificação: saber o que acontece ao seu redor e não deixar que a corrupção se entranhe; saber que não foi eleito apenas para fazer acordos que lhe permitam continuar no poder, nem para manipular a opinião pública com projetos que não mudam a cara do Brasil; perceber que suas ações e omissões estão nos deixando para trás em relação ao resto do mundo; saber que a História é que vai julgar o governo pelos resultados concretos no cumprimento das suas promessas; entender que o Brasil precisa de uma virada histórica para um futuro diferente, sintonizado com o século em que vivemos.

O Judiciário precisa sair dos ziguezagues de suas decisões tomadas conforme as pressões e as afinidades do momento ou com base na competência de advogados contratados pelos ricos; demonstrar que está mais preocupado com a imparcialidade de suas decisões que afetam o cidadão e o país, e menos preocupado com os seus benefícios pessoais.

A tempestade de purificação é para quebrar os pecados do egoísmo de cada classe e corporação, o imediatismo de cada pessoa, a corrupção não apenas no comportamento, mas também nas prioridades, eliminar o gosto de ser enganado e enganar; acabar com o descompromisso das decisões tomadas sem espírito público, sem sentimento de nação; eliminar a hipocrisia com que comemoramos pequenos avanços, enquanto a desigualdade se amplia dentro de nossa sociedade e o atraso se consolida diante dos demais países do mundo.

É uma tempestade transformadora, que desejo que se inicie em 2007. Essa tempestade de purificação exigirá múltiplas ações, em todos os setores da vida nacional, principalmente na política, mas a base da purificação virá de uma revolução na educação. A purificação só começará a ocorrer quando a população se mobilizar como já ocorreu no passado.

Todas as mudanças ocorridas no Brasil contemporâneo se originaram em passeatas pedindo mudanças - ¿O Petróleo é Nosso¿, ¿Anistia Já¿, ¿Censura Nunca Mais¿, ¿Constituinte Soberana¿, ¿Tortura Nunca Mais¿, ¿Impeachment¿. Mas o Brasil nunca foi às ruas pela educação. Já houve passeata por mais recursos para as universidades, pelo passe livre dos estudantes, pelo aumento de salários dos professores; nenhuma ampla, tempestuosa, pela educação. Com slogans como ¿Abolição do Analfabetismo de Adultos¿, ¿Toda Criança na Escola até o Fim do Ensino Médio¿, ¿Não Basta Matricular, Queremos Matrícula-Freqüência-Aprovação-Aprendizado¿, ¿Bons Salários para Professores¿, ¿Toda Escola Bem Equipada¿, ¿Fim da Necessidade de Greves nas Escolas¿, ¿Educação é Tudo¿, ¿Brasil, País do Conhecimento¿, ¿Educação Já¿.

Que as águas de 2007 nos tragam uma tempestade de purificação: o surgimento de um grande movimento nacional, com a presença de políticos, professores, alunos, pais, pela Revolução na Educação, uma, duas, mil passeatas pelas ruas de nossas cidades bradando a necessidade de o Brasil mudar por meio da educação.

É o que desejo para o Brasil: que em 2007 uma tempestade de purificação leve o povo às ruas por uma Revolução pela Educação.

CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).