Título: Dá medo, diz médico brasileiro na Somália
Autor:
Fonte: O Globo, 23/12/2006, O Mundo, p. 39

O anestesista paulista Otávio Omati, de 33 anos, vive há dois meses em Guri-el, no norte da Somália, a 40 quilômetros da fronteira com a Etiópia. Ali, integra uma missão da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF). Omati conta, por telefone, ao GLOBO que a população está mais temerosa com o conflito iminente.

Como a população vem reagindo ao agravamento da crise?

OTÁVIO OMATI: A região em que estamos é fortemente controlada pelas cortes islâmicas. Antes de elas tomarem o controle, era um local sem lei, onde diversos clãs somalis travavam batalhas violentas entre si, disputando terra, gado, até mulher. A população passou a se sentir mais segura sob a proteção dos islâmicos. Agora, o temor é que tudo volte ao que era antes e que as tropas etíopes, que não passavam por aqui porque seriam atacadas, comecem a avançar por esta região, já que é tão perto. Dá medo mesmo.

Vocês têm recebido mais casos de vítimas dos conflitos?

OMATI: Apesar de aqui não ser o epicentro da tensão, atendemos nos últimos dias mais gente ferida, sim. Contavam que foram atacados por tropas da Etiópia, um pouco mais ao norte. A sensação de insegurança é grande, tanto que retiramos a metade de nossa equipe de MSF daqui e temos um plano de evacuação de emergência para o Quênia, caso a situação piore. Por enquanto, nossas emergências continuam sendo mais desnutrição, diarréia, pneumonia. E, para piorar tudo, é estação das chuvas. Como a Somália é um país bastante precário, não há sistema de saúde, educação, instituições... Posso dizer que estamos bastante ocupados, e somos a única agência humanitária operando nesta região.

É verdade que a Somália é um dos poucos países do mundo onde agências humanitárias como MSF e Cruz Vermelha precisam andar com escolta armada?

OMATI: Sim, já estive em muitos locais, na Indonésia pós-tsunami, até no Sudão podemos circular mais livremente porque há um respeito pelo nosso trabalho. Aqui, não podemos andar sem segurança senão nossos suprimentos são roubados, somos atacados por clãs, milícias. A rede de disputa pelo controle é bastante complexa. Dependemos da proteção das cortes islâmicas, assim como os locais.

A força dos rebeldes então é impressionante...

OMATI: Sim, apesar de não mostrarem muito seu arsenal, acho que para não ficarem vulneráveis. Mas o contingente impressiona.