Título: Guerra santa no Chifre da África
Autor:
Fonte: O Globo, 23/12/2006, O Mundo, p. 39

Islâmicos que controlam parte da Somália pedem retirada imediata de tropas etíopes

BAIDOA, Somália

Sem um governo central desde 1991 e considerado um dos países mais instáveis e violentos do mundo, a Somália (localizada no chamado Chifre da África) vive dias de extrema tensão e violência, que pode acabar envolvendo a região do nordeste africano numa guerra sangrenta. Os choques, que já deixaram dezenas de mortos e pelo menos 300 feridos nos últimos cinco dias, segundo a Cruz Vermelha, são entre tropas do mais próximo que a Somália tem de um governo ¿ que controla somente uma região do país e é reconhecido pela comunidade internacional ¿ e integrantes das chamadas União das Cortes Islâmicas (UCI). Os mais radicais desta facção, a mais poderosa da Somália, pretendem impor a sharia (lei islâmica).

A violência se intensificou na terça-feira, depois que a UCI solicitou que tropas da Etiópia ¿ que, por temer que o radicalismo se espalhe no Chifre da África, encontram-se na região dominada pelo governo, em Baidoa, ¿ se retirassem imediatamente da Somália, se quisessem evitar ¿uma guerra santa¿. Ontem, o xeque Hassan Dahir Aweys exortou cidadãos a lutarem contra os etíopes. Escolas da capital Mogadíscio (controlada pelos radicais) fecharam suas portas, para que estudantes pudessem ir para o campo de batalha. Como em muitos países instáveis da África, crianças-soldados são usadas em confrontos. A ONU e a União Européia pediram calma e solicitaram que governo e UCI voltem à mesa de negociações.

¿ A situação na Somália passou de ruim para pior. Estamos perdendo a paciência ¿ declarou o Ministério das Relações Exteriores da Etiópia, que mantém cerca de oito mil soldados na Somália.

As cortes islâmicas afirmam, no entanto, que só negociarão com o governo se ¿as tropas etíopes invasoras¿ deixarem o país. Os confrontos podem se intensificar e envolver toda a região. Além da Etiópia, a vizinha Eritréia (antiga rival etíope, com quem travou uma sangrenta guerra que causou mais de 100 mil mortes) enviou um contingente de duas mil tropas à Somália para apoiar a UCI. Boa parte das armas usadas pelos cada vez mais fortalecidos radicais islâmicos vem da Eritréia.

EUA: al-Qaeda apóia cortes islâmicas

Outra parte de seu poder, segundo os EUA, viria da ajuda que a UCI recebe da rede terrorista al-Qaeda, de Osama Bin Laden ¿ embora a liderança do conselho somali negue.

Por pressão americana, foi aprovada recentemente pelo Conselho de Segurança da ONU o envio de tropas internacionais ¿ sem participação da Etiópia ¿ à Somália, para apoiar o governo de Baidoa. Os soldados seriam da União Africana (UA), mas os islâmicos rejeitaram a resolução, e prometeram mais resistência. Os soldados deveriam chegar este mês, mas a UA alega também não ter fundos.

O impasse cresce, o risco de um confronto mais duro é iminente. Islâmicos e governo lutam em duas frentes, nos arredores de Baidoa.

¿ Já podemos ver os tanques etíopes avançando. Eles já começaram a atirar em nós ¿ disse um soldado islâmico, que luta em Daynunay, onde está uma base militar usada pelo governo, 20 quilômetros ao sudeste de Baidoa. ¿ Mas reagiremos.

A outra frente é em Idaale, 70 quilômetros ao sudoeste da cidade, onde está a única região agrícola cuja produção é controlada pelo governo.

A situação na Somália se deteriorou quando o ditador Mohamed Siad Barre foi deposto por rebeldes, há mais de 15 anos. Desde então, vários clãs brigam entre si pelo poder político. Em junho de 2006, clãs que se uniram na UCI tomaram Mogadíscio e outras regiões no sul e no norte.