Título: No Piauí, prioridade para a infância reduz mortalidade infantil a zero
Autor: Menezes, Maiá e Frazão, Heliana
Fonte: O Globo, 24/12/2006, O País, p. 3

Município premiado pelo Unicef aplica 15% do orçamento na infância

TERESINA. Premiado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o município de Alto Longá, no Piauí, gasta 15% de seu orçamento, de apenas R$300 mil mensais, com programas de proteção e assistência à criança. Além disso, programas federais como Bolsa Família e Saúde da Família e os recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) foram direcionados para o atendimento de crianças e adolescentes.

O resultado é a redução da mortalidade infantil de 50 crianças em cada grupo de mil nascidas viva, em 2000, para zero, como ocorreu este ano. Nas ruas, as cenas são diferentes das costumeiras no Piauí: crianças fortes brincam nos braços das mães; nos hospitais, não esperam mais do que dez minutos para atendimento; e 34 agentes de saúde perambulam pela cidade e por povoados rurais incentivando as gestantes a fazer exame pré-natal e a procurar os postos de saúde.

¿ A receita é não querer inventar. Como administramos um município pobre, temos que escolher prioridades. O prédio da prefeitura está em escombros, mas priorizamos a pessoa humana a partir de sua geração, acompanhando as famílias. Temos orgulho da mortalidade infantil zero. Há seis anos, era de 50 para cada grupo de mil. Hoje, nenhuma criança está fora da escola ¿ orgulha-se o prefeito César Sindô, do PMDB.

Segundo ele, foram construídas 40 escolas e creches, grande parte na zona rural:

¿ Minha geração se perdeu porque foi destinada à roça e à enxada. Quando uma criança freqüenta a pré-escola, vai gostar de assistir às aulas e obrigar os pais a mantê-la na escola ¿ diz.

O primeiro passo foi dado quando a Secretaria de Assistência Social procurou os cartórios para que o registro das crianças fosse feito logo após o nascimento. Há seis anos, havia 1,8 mil crianças e idosos desnutridos, sendo 60% de zero a 12 anos. Foram alimentados com a multimistura fornecida pela Cáritas, da Igreja Católica ¿ folhas de mandioca, casca e sementes da abóbora e borra da castanha, nutriente descartado por uma indústria próxima. Neste ano, não foi preciso dar a multimistura, por que a desnutrição caiu.

A dona-de-casa Constância Cristina de Sousa, de 30 anos, conta que o primeiro filho morreu três dias depois de nascer prematuro, aos seis meses. Quando voltou a engravidar, no ano passado, ela passou a ser visitada por um agente de saúde e um médico das cinco equipes do Saúde da Família na cidade. Foi aconselhada a fazer seis consultas de pré-natal.

¿ Eles passam sempre em casa e pedem para que eu continue amamentando. Até agora, meu filho nunca adoeceu ¿ diz Constância.

Neste ano, a Secretaria municipal de Saúde fez 5.461 vacinações. A qualidade da água é monitorada por laboratório, e as grávidas recebem enxovais como prêmio para as consultas de pré-natal. Nas escolas, uma minoria dos professores não tem curso superior.

No único hospital da cidade, Eleomara Soares, de dois anos, chegou da periferia com a mãe à procura de atendimento. Não esperou dez minutos.

A coerção também foi usada. A secretária do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente, Suse Mary Fontenele, lembra que um agropecuarista foi denunciado anonimamente por não levar as crianças à escola. O Conselho procurou a promotora de Justiça, que explicou que o pai poderia ser processado e preso por abandono e maus-tratos.

¿ Ele alegava que não tinha estudado e estava bem. Só foi convencido pelo delegado. Seus filhos hoje estão na escola ¿ diz Suse Mary.