Título: O exemplo dos pequenos
Autor: Menezes, Maiá e Frazão, Heliana
Fonte: O Globo, 24/12/2006, O País, p. 3

Com soluções simples, 1.179 cidades do semi-árido mudam quadro social

Limitados pela drástica realidade da região do semi-árido, 1.179 municípios brasileiros transformaram o orçamento pífio e a extrema pobreza em matéria-prima para a mudança: a redução da mortalidade infantil e a ampliação do acesso à educação. Estatísticas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostram os avanços dos indicadores sociais na região, contemplada este ano com o Selo Unicef. Das 1.179 prefeituras que se inscreveram, 146 receberam o reconhecimento. A realidade, no entanto, melhorou para todas. De 2003 a 2005, período em que o Unicef observou os municípios inscritos, a mortalidade infantil caiu de 25,6 por mil crianças nascidas vivas para 21,9 por mil. A redução foi de 14,4%.

¿ Mais de duas mil crianças deixaram de morrer. E quem fez esse milagre foram os municípios brasileiros. O dia em que cada um deles decidir reduzir a desigualdade, teremos um país equitativo e justo. Não foi o Unicef que resolveu os problemas dos municípios. Estimulados, eles foram lá e resolveram. Isso mostra um posicionamento ético enorme ¿ elogia a representante do Unicef no Brasil, Marie-Pierre Poirier.

A premiação do Unicef se concentrou na região de pior Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI) do Brasil ¿ 0,473. A média nacional é de 0,667, segundo o Relatório Situação da Infância Brasileira 2006, do fundo da ONU. Compõem o IDI indicadores de escolaridade dos pais, acesso das gestantes ao pré-natal, imunização das crianças e acesso das crianças de 4 a 6 anos à pré-escola.

O reconhecimento tem caráter simbólico. Não há repasse de verbas envolvido. Mas, segundo a representante do Unicef no Brasil, funciona como um cartão de visitas dos municípios para parcerias governamentais e internacionais:

¿ Toda parceria precisa dos dois lados. Ninguém vai investir dinheiro em municípios que estão dormindo ¿ diz Marie-Pierre Poirier.

O semi-árido brasileiro é formado por municípios de 11 estados ¿ os nove do Nordeste, mais Espírito Santo e Minas Gerais. Para escolher os contemplados, o Fundo das Nações Unidas observou os indicadores durante dois anos. Nesse período, o percentual de crianças desnutridas caiu de 9,2% para 6,8%, segundo o Programa de Saúde da Família. A estimativa, segundo o Unicef, é de que 24 mil crianças escaparam da desnutrição.

Acesso à educação cresceu 13,3% em um ano

Em um ano, o acesso à educação infantil evoluiu 13,3% na região. Em 2004, na faixa de 4 a 6 anos, 56 crianças em cada grupo de cem estavam matriculadas em pré-escolas ou no ensino fundamental. Em 2005, o número era de 63,5 em cada cem crianças. Outra boa notícia é a redução da defasagem escolar. Nos municípios inscritos no Selo Unicef, 50 mil crianças e adolescentes passaram a freqüentar a série correta para sua idade.

A iniciativa das prefeituras, no entanto, ainda não é suficiente para driblar o desinteresse pela escola. A taxa de abandono do ensino fundamental passou de 43,5% para 45% no período.

Reconhecido com o Selo Unicef, o município de Caculé, no sudoeste da Bahia, optou por oferecer transporte gratuito às crianças até as escolas, há dois anos. Uma nutricionista passou a acompanhar a elaboração do cardápio oferecido aos estudantes. Antes, a merenda era distribuída em baldes.

O prefeito José Luciano Santos Ribeiro (PFL) comemora o fato de, com todas as melhorias, ainda ter conseguido economizar R$14 mil dos recursos federais para merenda:

¿ Somos um município pobre, com apenas 22 mil habitantes. Boa parte da população sobrevive da agricultura familiar. Não há milagre nem mágica: procuramos trabalhar direito.

No município de Ponto Belo, no Espírito Santo, as gestantes têm acompanhamento integral das famílias, do parto até o primeiro dia da criança na escola. Um dos exemplos reconhecidos pelo Unicef foi um programa de rádio feito por crianças do ensino básico, com a orientação da Secretaria de Ação Social. Eles produziram e gravaram um programa de variedades. E uma curiosidade: o município não tem emissora de rádio.

¿ As crianças tiveram de gravar num estúdio que fica numa cidade próxima. E para exibir o programa contratamos carros de som, que ficaram circulando pelas ruas ¿ conta a secretária de Assistência Social, Silvana Fonseca Oliveira.