Título: Papel das ONGs não é substituir o governo
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 24/12/2006, O País, p. 8

Programas sociais mudam foco da Ação da Cidadania, e atuação de entidades leva especialistas a reflexão

Os programas assistenciais do governo federal e a atuação crescente de ONGs na oferta de serviços governamentais ¿ muitas envolvidas em irregularidades ¿ mudam o foco das entidades filantrópicas e patrocinam a discussão: qual o papel do chamado Terceiro Setor? Diretor da Associação Brasileira de ONGs (Abong), Ricardo Teixeira de Mello reconhece que as entidades assumiram função fundamental no dia-a-dia da administração pública, mas diz que originalmente o dever delas é fiscalizar.

¿ Se você fechar essas instituições e fizer uma limpa, o Estado fecha, porque não tem infra-estrutura. Mas há mudanças ocorrendo desde a criação da Lei Orgânica da Assistência Social. É preciso ficar claro que o papel das ONGs não é complementar nem substituir o governo ¿ diz Ricardo Teixeira de Mello, lembrando que, do universo de 276 mil entidades existentes no Brasil, apenas 280 são cadastradas na Abong.

¿ Há aquelas que recebem repasses do governo para executar serviços e perdem seu papel de controle social. A função das ONGs é cobrar e mostrar soluções ao Estado. Isso é difícil quando elas são cooptadas pelo governo ¿ concorda Gary Barker, diretor-executivo do Instituto Promundo, ONG reconhecida pelo Unicef por seus projetos na área de Gênero.

Com a lupa nos dados do Bolsa Família, a Ação da Cidadania decidiu mudar a campanha de Natal este ano. A fome não é mais o foco. E o governo federal foi, indiretamente, o responsável pela troca. O movimento fez um levantamento dos programas sociais em todos os estados e descobriu pelo menos 300 nomes diferentes, nos estados, para programas transferência de renda. A campanha de Natal este ano pediu brinquedos em vez de alimentos.

¿ Quando o alcance do Bolsa Família chegou a 100% do universo de excluídos, decidimos parar. Há centenas de milhares de pessoas na linha da pobreza que não recebem, por irresponsabilidade dos prefeitos. Falta estrutura ao governo federal para fiscalizar. E nós estamos começando a fazer isso ¿ diz o coordenador do movimento, Maurício Andrade.

Em um projeto-piloto no Rio, a Ação da Cidadania identificou dez mil pessoas que deveriam estar recebendo o benefício no estado do Rio. Mas estavam fora do cadastro do Ministério do Desenvolvimento Social.

A coordenadora de Ciências Humanas e Sociais da Unesco no Brasil, Marlova Jovchelovipch, afirma que a única possibilidade de universalização do atendimento no Brasil é através das administrações públicas. Mas ressalta que a agilidade das ONGs as leva a projetos mais criativos e bem-sucedidos do que os dos governos:

¿ Apesar de, nos últimos dez anos, ter havido um crescimento extraordinário do Terceiro Setor, nenhuma ONG conseguirá ocupar o papel do governo.